O primo Elias (Arquivo JRS) |
Em 1980 eu conheci, morando na subida do Morro da Torre (Praia do Cedro, caminho da Ponta Grossa, no centro do município), Mané Mancedo, um violeiro do Ubatumirim. Estranhei estar tão longe do seu lugar querido, lá da região norte. Agora era caseiro, cuidava da terra de gente rica. Já estava em idade que não podia sr chamado mais de jovem, morando naquela lonjura, tendo de enfrentar uma subida brava e uma estrada de terra bem extensa quando precisava de alguma coisa (mantimentos, remédios...). O seu abrigo era muito pobre. Ficava bem longe o vizinho mais perto, a gente do Paru, no Cedro. Passamos umas horas em prosa. Apesar de estar num lugar lindo, de onde tinha uma visão privilegiada do mar, ele aparentava desanimado. Também pudera, né? Quem viveu sempre entre gente conhecida, brincando nas funções (bailes), agora estar tão isolado, não devia ser fácil mesmo! Quando avistei na parede a viola ensacada, perguntei se ele podia tocar algo para mim. Na hora ele brilhou os olhos e se levantou do banco. E foi puxando um calango, cujas letras estavam muito próximas da que transcrevo agora, escritas pelo Agenor, também morador do Ubatumirim:
Tô aqui porque cheguei,
mais não posso demorá,
que casa pra mim é festa
e festa se torna em casa,
na batida do calango
se livre de eu me enfezá,
visto carça pra cabeça
e paletó pro carcanhá.
Nunca vi porta sem régua,
nem gruta sem boquerão;
difunto depois que morre
não pode injeitá caxão;
olho no chão é buraco,
olho no buraco é chão
que eu sô ruim, sô bão, sô mau
e sô mau, sô ruim, sô bão.
Escorregá não é caí,
é o jeito que o corpo dá.
Nunca vi caí curisco
antes de relampejá;
carne seca não me ingasga,
chuva fina não me molha,
sereno qué me molhá.
Saracura não tem dente
chupô meu canaviá.
Minha barba pegô fogo,
meu bigode qué queimá;
arranco pau com raiz,
no chão não dexo siná,
qu'eu sô mesmo desse jeito,
qu'eu tenho por quem puxá.
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