domingo, 4 de outubro de 2020

AS ANDANÇAS DA TETEIA

 

Antônio Gomide - Cenário na praia (Arquivo Arte)

    Tudo o que eu registro a respeito da Teteia faz parte do talento, da sina de fuxiqueiro do amigo João Brilhante. Sei que teria muito mais novidades no gênero caso fosse mais vezes visitá-lo, mas o tempo anda corrido. Até ele percebeu isso ao me perguntar anteontem: “Quando você vai se aposentar para poder vir mais vezes aqui para podermos prosear mais, Zé?”

                Depois da penúltima conversa, quando me informou da volta à velha "compensação pecaminosa" por parte da Teteia, a nossa conhecida de anos ("Eu não vejo então, por acaso, ela passar uma vez por semana, no rumo da roça do Chico Mergulhão?”), o amigo apresentou a novidade de uma estratégia mais salutar para sublimar os anseios dos assim nomeados por ele de "desejos pecaminosos da nossa amiga". Segundo o nosso "reparador de tudo", ela continua saindo bem cedo, mas agora para uma caminhada por mais de hora beirando a rodovia: "Creio que ela vá sempre até a Figueira e volta naquele passo de Teteia que você bem sabe como é. Mas vai!". 

     "É uma boa, mesmo, João! Você sabia que até o padre Anchieta recorreu a isso para escapar das tentações sofridas em Yperoig, em 1563, quando ficou como refém aqui, onde hoje é Ubatuba? É que durante a caminhada, suando muito, vendo outras coisas e se cansando, o corpo acalma, doma temporariamente seus desejos. Você imagina o coitado, recém chegado ao Brasil, coberto com seu hábito sacerdotal, parecendo um urubu encardido, mostrando apenas cabeça, mãos e pés, totalmente rodeado por indígenas pelados, notando nas mulheres e homens todos os seus atributos? O primeiro cronista do Brasil, Pero Vaz de Caminha, fez questão de dizer que as mulheres desta terra eram dotadas de uma formosura inigualável. O dó do Anchieta! Pobre do padre!Para livrar-se das tentações, a fim de que seus votos de castidade não viessem a ser quebrados, ele cansava seu corpo em longas caminhadas, segundo as palavras da saudosa Idalina Graça. Em relação ao espírito, tal condição resultou na composição, nas areias de Yperoig, em latim perfeito, lindos e fervorosos versos em louvor à Virgem Santa. E, assim, pôde sair ileso do pecado, passar os longos dias aguardando o retorno do companheiro jesuíta, o padre Nóbrega".

     "Se é assim, A Teteia está certa!", exclamou o João. Eu completei: "Também penso isso como sendo a melhor alternativa. O nosso amigo Zico Tranquilo, solteirão aposentado, faz isso também a cada manhã. Depois da volta, cumpridas as tarefas domésticas, ele se ocupa tocando violão sozinho, na pequena casa onde mora desde quando eu o conheci. De vez em quando avisto ele dedilhando as cordas no grupo que anima os cantos na igreja mais próxima". 

    Assim, com gente nas caminhadas, animando ambientes com seus instrumentos, se exercitando nas academias ao ar livre, proseando em bancos nas praças etc., o espaço caiçara vai adquirindo outras feições. 


Em tempo: para saber um pouco do pintor modernista Antônio Gomide, que viveu seu último tempo de vida em Ubatuba, recomendo: 

http://arnaldochieus.blogspot.com/2016/03/gomide-artista-primordial.html


 

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