Flores da Dilma (Arquivo JRS) |
Hoje
comecei o dia lendo Rubem Alves. Tem uma passagem que é muito interessante,
sobretudo quando nos identificamos como bons escutadores de histórias que
também gostam de contar causos. É assim: “Já houve um tempo em que fui criança
[...] O tempo é isto: o poder que faz com que coisas que existem deixem de
existir para que outras que não existam, venham a existir [...] Eu posso
passear no seu mundo, que existe. Mas eu gostaria que vocês passeassem no mundo
da minha meninice, que não existe mais. Acho que vocês gostariam, porque era um
mundo tão diferente...”. E, seguindo a narrativa, ele diz que “é preciso
embarcar numa Máquina do Tempo”, que ela “está dentro da nossa cabeça”. “Ela se
chama imaginação”. Lindo, né?
Eu
gosto de ouvir coisas atuais, mas adoro quando contam situações vivenciadas em
outros espaços e em outros tempos. Ah! Quantos causos! E quando eles vinham sob
luz bruxuleante, de lamparinas que pareciam estar nos últimos suspiros, nos
convidando para dormir!? Coisa boa demais! E quando eram histórias de
assombração, que nos arrepiavam por toda a narrativa!? Pior era depois ter de
sair para o terreiro, pois na minha meninice não havia banheiro dentro de casa.
A solução era o cisqueiro (“usar o mato”) ou o penico. Olhar aquela escuridão,
os salpicados pontos luminosos dos vaga-lumes... escutar os sapos, a nimbuias e
toda a passarinhada da noite era alimentar a nossa imaginação medrosa. Mas era
preciso se superar diante da pergunta-ordem da mamãe: “Todo mundo já mijou
antes de ir pra cama?”.
Num
desses dias, comentando uma situação de medo de escuro, afirmei que as
assombrações do meu tempo de criança desapareceram depois que chegou a luz
elétrica. A nossa imaginação perdeu força com essa tecnologia, essa “facilidade
da vida”. Coitadas delas (das assombrações)! Ah! Mas também apareceu a
televisão substituindo os contadores de causos, de histórias que embalavam
nossas vivências! E hoje, aparelhos mais modernos enfeitiçam nossas vidas,
transferem os prazeres para outras esferas, nos tornam mais egoístas,
indiferentes para esse mundo tão próximo, de pessoas tão concretas. A função
deles? Criar outras necessidades (comprar computadores e outros equipamentos de
última geração, games etc.), gerar
outras dependências que garantam os lucros de uma mínima parcela da população,
deixar a autonomia mais longe no horizonte da utopia!
Ontem encontrei o pai da Tainá, uma ex-aluna que não vejo há mais de dez anos. “Ela se casou, vive na Islândia. Eu tenho uma linda netinha”. E já foi puxando, do celular, uma série de imagens de uma terra muito distante de Ubatuba, onde Tainá nasceu e se criou. E, empolgado, me mostrou desenhos de animais e plantas tropicais: “São trabalhos, aquarelas da Tainá. Ela agora está aqui. Na semana que vem certamente você a verá, pois ela vem nos fazer uma visita”. E a minha Máquina do Tempo é ativada pela menina tranquila, estudante, num tempo que a internet ainda era, para poucos, a grande novidade.
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