quinta-feira, 24 de maio de 2012

"SACI É COISA DE CAIPIRA"

Velho pé de jamelão, no Canto do Recife, de onde saía a Luz do Oliveira.

                As surpresas acontecem!  Ontem, por exemplo, recebi um telefonema inimaginável, do Gildenor, caiçara da praia da Ponta Aguda, filho dos finados Aristeu e Odócia, que eu tinha em consideração como “a minha família da Ponta Aguda”.
                O Gil, eu fiquei sabendo então, agora mora no bairro do Massaguaçu, no município vizinho de Caraguatatuba. A sua fala foi um agradecimento pelas citações que eu faço, de vez em quando, da sua família no tempo em que moravam na referida praia, de forma quase isolada. O seu pai era funcionário da ASEL (Ação Social Estrela do Litoral, do frei Pio). Também disse que está cheio de saudade, com vontade de conversar comigo.  É verdade! Os caiçaras são assim mesmo!
                Depois disso,  eu pensei nos muitos momentos de prosas que eu tive com o pai do Gil. Esta história é uma das que eu escutei num serão, naquele terreiro maravilhoso que agora existe somente na lembrança:

                “Sabe, Zé, tem história que arrepia  a gente, mas isso quase não acontece comigo. Agora eu vou contar uma que ouvi do Chico Frade, gente de Catuçaba. Ele morava na roça e tinha que fazer compras na cidade. Eu não sei como é que é porque eu nunca fui para aquelas bandas. Só sei que, de acordo com o homem, a estrada era quase um caminho que mais passava gado do que gente, tinha uma porteira e um bambuzal antes de chegar na sua casa. Todo mundo dizia que aquele lugar era assombrado, mas o Chico não acreditava nessas coisas de assombração. Porém, nunca se descuidou e deixou que escurecesse para ter de passar pelo tal afamado lugar. Só que num dia isso não aconteceu porque encontrou uns amigos do baralho que não o deixaram ver a escuridão chegando. Para encurtar: era noite, estava muito escuro quando ele foi chegando perto da porteira. Ele pensou: quero ver se existe mesmo a tal assombração que o povo tanto fala.
                Não passou um minuto do último pensamento quando o cavalo começou a relinchar, dar pinotes parecendo louco. No mesmo instante  o Chico começou a ouvir um assobio forte e ardido acompanhado de uma risada muito esquisita, que doía nas orelhas. E o cavalo continuava  no desespero. Foi quando ele pensou: é o saci, mas eu não acredito nele. Daí em diante , percebendo que não tinha outra coisa a fazer, ele se pôs a rezar. Ainda demorou um pouquinho de tempo para o saci pular do cavalo.
                Logo o cavalo se acalmou; ele mesmo, empurrando a cabeça, abriu a porteira. Ao chegar em casa, ainda muito assombrado, a primeira coisa que o Chico Frade falou para a sua mulher foi que, daquele dia em diante, ele também acreditava em assombração, mas não teria medo porque estava sempre com Deus”.
                Deste modo, com uma risada muito discreta, o finado Aristeu concluiu:
                - Não era corajoso o meu amigo Chico? Agora, Zé, vamos entrar porque hoje é quarta-feira, dia das almas andarem pelo mundo durante a noite. Saci não tem por aqui; é coisa de caipira. Não que eu acredite nisso, mas... vamos entrando logo.
                (Ah! Também o pessoal de casa deu risada após o telefonema. Perguntaram se eu estava falando alto porque o Gil estava longe, em Caraguatatuba. É mole?)

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