Agradeço ao Eduardo Souza e ao Luiz Moura que, regularmente, através d'O Guaruçá, nos presenteiam com textos que abordam nossos hábitos culturais. Escolhi o menino com bodoque, do Ubatumirim, registrado pelo Olympio Mendonça, há quase quarenta anos, para que muitos tenham noção, consigam imaginar as crianças caiçaras bodocando desde a linha do jundu até as grimpas dos morros. Ah! Tenho o meu bodoque dependurado há muito tempo! Ainda foi presente do amigo Irineu, o fazedor de facas.
Alguns dos meus textos podem, equivocadamente,
passar a ideia de que sou um predador, alguém que não respeita ou que
estimula o desrespeito à natureza. Na verdade, o caiçara sempre foi quem mais
preservou a Mata Atlântica. A historiadora Kilza Setti é também dessa
opinião. O litoral começou a sofrer depredações ambientais quando o caiçara
vendeu suas terras e os novos proprietários as transformaram em loteamentos.
Essa ocupação horizontal do solo acabou com as árvores frutíferas que havia
em toda propriedade caiçara.
A partir desta época do ano, em que a temperatura
na Serra do Mar começa a cair vertiginosamente, a maioria das espécies da
fauna descia para as várzeas, para lugares mais quentes onde podia encontrar
bananeiras e uma imensa variedade de arbustos e árvores frutíferas nos
quintais, na planície perto dos rios e do mar: araçazeiros, goiabeiras,
cajueiros, laranjeiras, jabuticabeiras, mamoeiros, ameixeiras etc. Os
loteamentos não deixaram nada de pé. Hoje os pássaros silvestres estão
invadindo as zonas urbanas em busca de alimentos, mas as casas já não têm
quintais e pomares como antigamente.
Outro dia, passando de carro com meu filho pela
praia das Toninhas [Ubatuba - SP], lembrei-me das vezes em que ficava
hospedado na casa do Plínio, um amigo de infância. Contei a meu filho como
eram esses lugares à beira mar naquela época. Não havia energia elétrica, nem
rodovia. À noite, a Via Láctea despudorada deixava o céu empanturrado de
estrelas. Era quase possível tocá-las com a ponta dos dedos. O branco do chão
de areia do terreiro contrastava com o contorno da vegetação oculta pela
escuridão onde brincavam centenas de vaga-lumes enquanto o mar executava sua
sinfonia na areia da praia e nas pedras da costeira. O amanhecer era marcado
pelo cheiro do café coado em coador de pano. Revelava-se, em seguida, ao som
do martelar das arapongas na mata, o cenário dos cajueiros, aroeiras,
goiabeiras, mamoeiros, mexeriqueiras, araçaeiros no entorno da pequena casa
de paredes de taipa e o festim da passarinhada nessas espécies frutíferas.
Já cacei passarinhos. Já os prendi em gaiolas.
Confesso. Mas isso foi coisa dos tempos de adolescência. Depois essas coisas
perderam o sentido, os tempos mudaram. Caçar e pescar, aos poucos foram
deixando de fazer parte da vida, da cultura caiçara. O próprio caiçara foi
deixando de ser, de existir. Hoje, dependuro bananas no pequeno quintal de
casa para algumas saíras, sanhaços, tiés, periquitos e tiribas que me visitam
nesta época do ano.
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