"As ondas sempre existirão e sempre nos desafiarão". (Tio Maneco Mesquita) |
Pelas madrugadas
e em outras horas do dia eu sempre encontro pelas ruas do bairro, em condições
repugnantes (dopada, suja, fedida etc.), uma mulher ainda jovem. Neste domingo,
Dia das Mães, enquanto esperava embaixo de um toldo comercial pela abertura da
farmácia, avistei-a mais ou menos perto, andando debaixo da chuva fina e fria.
Da mesa do bar escutei o seguinte diálogo entre dois homens que desde cedo
tomavam cerveja:
- Conhece aquela
mulher?
- Não, mas parece
que tá um bagaço.
- Essa situação é
por causa da droga. Até o aposentado que a acolheu, deu casa e conforto não a aguentou.
Agora vive assim, pelas ruas como cachorro sem dono.
- Parece coisa do
destino.
Fui para a
proteção do outro prédio, mais perto da farmácia, mas continuei por ali. Vi o
pessoal do supermercado levantar as portas. Um senhor devidamente trajado para
as condições atmosféricas se aproximou e puxou conversa. A primeira coisa que ele
perguntou, indicando a moça:
- Você a conhece?
- Não. Mas sempre
a vejo por aí. Eu a encontro, juntamente com mais algumas pessoas, ainda no
escuro, quando estou saindo para o trabalho. Amanhecem na rua.
Nesse momento
escutei o impensável, pois aquele senhor, “devido a um alinhamento de planetas”
conforme repetia na gozação o velho Tibúrcio Mesquita, era o aposentado citado
na primeira conversa. Ele tinha sido a “bondosa alma” que resolvera um dia dar
uma oportunidade à moça. Talvez em troca quisesse pouca coisa mais que a “tão
cobiçada fruta”. E assim ele continuou:
- Ela tem 35
anos. Eu já tive um relacionamento com ela. Eu lhe dei uma casa boa. Nós
tivemos um filho.
- Naquele tempo ela já usava droga?
- De vez em
quando ela fumava maconha. Mas depois que entrou no crack aí desandou. Também passou
a beber. O dinheiro que eu dava para comprar roupas e comida para a criança
acabava tudo nas mãos dos traficantes. Vi a miséria invadir a nossa casa. Me
separei logo dela.
- E a criança?
- Eu peguei a
guarda e passei para uma tia que mora em São Paulo. É um menino; já tem seis
anos. É saudável, mas nasceu com as mãos atrofiadas porque a mãe tomou remédio
para abortar. Logo deve fazer algumas cirurgias para tentar melhorar os
movimentos.
- O senhor ajuda
a criar?
- Eu mando todo
mês duzentos reais. Agora ele também recebe uma aposentadoria. Está bem e vai
melhorar!
A farmácia abriu;
comprei o que precisava. Fui para casa pensando nos fatos, na tristeza de vida
dessas pessoas que não têm forças para superar as suas carências, os seus
vícios.
À tarde, por
volta das 16:00 horas, quando as ruas estavam desertas (afinal era domingo,
final do campeonato de futebol!), novamente saí de casa para comprar alguma
coisa. Quem eu encontrei sentada diante de um copo, numa solidão e chorosa? Isso
mesmo! Aquela mulher continuava a sua via sacra. “Pobre trapo humano!” diria a
amiga Nara, caso a visse.
Depois fiquei
pensando no que possivelmente a angustiava tanto; nos seus possíveis remorsos.
Será que percebia a miséria da sua vida? Pensava no filho ou no carinho que não
recebera nem como mãe, nem como ser humano? Qual será o fim dessa mulher?
Conseguirá se libertar dos seus vícios?
Pensei em meus
filhos, nos muitos pais e nas muitas mães que são responsáveis. Refleti sobre a
importância de se ter laços culturais que rememore os seus passos, os seus
momentos comunitários, festivos, de apoio, de solidariedade concreta a servir
de base de sustentação contra as investidas de uma sociedade que aposta na
miséria de muitos para que poucos se deem bem!
Pensei na falta
que faz refletir sobre a nossa cultura específica. Foi a falta de convicção nos
valores e nos modos de vida do nosso povo simples que preparou o terreno às espoliações
que se seguiram ao advento do turismo. Os outros que chegaram também perderam
os seus vínculos culturais, ficaram ao “sabor das marés”. Desse jeito se vai a caiçarada. Depois disso,
qualquer droga é bem vinda para o corpo.
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