domingo, 13 de maio de 2012

QUANDO AS PESSOAS SE ATURAVAM MAIS

        Hoje, depois de rir muito ontem de passagens engraçadas da vida da minha finada mãe, acordei com saudade dela. Depois pensei em outras mães queridas. Foi quando resolvi telefonar para a dona Maria, do saudoso João de Souza. Eu a escolhi, depois da minha Gláucia, como a mãe do dia. Cumprimentei-a, perguntei pelo pessoal; quis falar com a Fátima, a nossa escritora caiçara. Foi quando perguntei se poderia publicar o seu texto (Quando as pessoas se aturavam mais). A Fátima, companheira desde o tempo de ginásio, ainda tem muito a contribuir com a cultura desta cidade. Eu lamento que a maioria da juventude atual não tenha assistido as suas peças produzidas na comunidade do Itaguá. Em datas especiais, como hoje, ela emocionava muita gente com produções simples, mas carregadas de reflexões profundas. Quem sabe a gente possa um dia voltar a apreciar os maravilhosos diálogos produzidos pela nossa Fátima. Eis o texto:
       Encontrei no ponto de ônibus um amigo comum de minha família. O conheço desde criança. Olha que faz tempo! Um tempo onde as coisas andavam devagar, quase parando.

     Dava para ouvir o assoviar do vento no bambuzal do velho Paratiano ou o mesmo vento que desdobrava o sapezal que embelezava a estradinha da casa de Seu Ari Vieira.

     Que vá! Dizer que tudo antes era melhor... é mentira. Tudo nessa vida tem seu ônus, seu custo. Mas naquele tempo as pessoas se aturavam mais. Era esse o enredo de nossa conversa no ponto de ônibus, até então.

    Começamos a desfiar um rosário de situações vividas. Como por exemplo, quando as famílias saiam em peregrinação às casas de parentes por ocasião de festas. Outras vezes só pra saber como ia indo o compadre, a comadre e as crianças.

     Dizia ele:

     - Me lembro que por ocasião da Festa do Divino, casamento, Natal, Ano Bom, até velório, nossa casa ficava cheia. Tinha gente que ficava semana afora, até sentir vontade de ir embora. Era animado. Ali se arranjava casamento, se acertava eito de roça, quarto de forneio, terço de rede, apadrinhamentos e afilhados, até moda de viola, verso de folia e causo que mais tarde era registrado nos pasquins anônimos, ou quase. E olhe que muitas vezes não eram parentes, não. Conhecidos e conhecido do conhecido. Viajantes de passagem pelo lugar. Não havia diferença. Gente era gente. Tudo era divido, a comida, o agasalho... O conforto que um tinha os outros também tinham. Era assim...

     Então nossa conversa definhou por alguns segundos como a meditar e refletir sobre o tema.

       Joguei uma frase em aberto:

       - Hoje em dia ainda é assim...

      Meu amigo esfregou seu rosto com as mãos franzidas pelo tempo, me olhou desanimado e como num sussurro contido, falou:

     - Sabeis que por esses dias, fui visitar uns parentes. Parentes mesmo de primeiro grau. Me senti um estrangeiro na casa deles. No começo a conversa fluía, mas depois nossos olhares não se encontravam mais. Então só eu falava. Todos da casa ficavam no ram, ram, pode deixar, outra hora eu faço, estão me esperando, até chegar no volta aí quando quiser, agora você me dá licença, mas tenho que... Aí, o que aconteceu, um camarada vivido como eu, percebi logo que já estava sobrando. Lotando os pacovas dos parentes. Meti a viola no saco e me mandei antes que eles me jogassem no vento. Camarada, ninguém tem tempo pra mais ninguém. Ninguém suporta mais ninguém, a não ser que esteja precisando da gente. Aí são outros quinhentos. Sabeis, o que acontece: as pessoas criaram um mundo só delas. Cada uma tem seu mundo imaginário, onde pensam e sentem que não precisam de ninguém. A não ser para satisfazerem suas vaidades. Um mundo descartável, onde se usa e joga fora, sem direito a reciclagem. São auto-suficientes em tudo.

     Contra-ataquei com meu parecer:

     - Mas hoje em dia as pessoas não respeitam mais as casas e vidas das outras. Talvez isso tenha criado nas pessoas um medo de se relacionarem.

     - Que nada - disse ele - tá certo que antigamente se respeitava um pouquinho mais, mas era quase a mesma coisa nessa questão. Que se sucede é que, antigamente não havia tanto recurso como existe hoje em dia. Para sobreviverem as pessoas careciam de se juntar, estreitar os laços de afinidades para sobreviver às intempéries da vida. Hoje, as pessoas acreditam que o Deus informatização resolve tudo. O que necessitam acham num tal de chip. Como tudo tem um preço. Ninguém percebeu que estão sendo marionetes desse camarada.

     - Que camarada? - perguntei.

     - Tá vendo, até você não sabe mais pensar!

     Até ele perdeu a linha comigo.


Nota do Luiz Moura (O Guaruçá): Fátima Aparecida Carlos de Souza Barbosa dos Santos, ou simplesmente Fátima de Souza, é, sem dúvida, a primeira caiçara da sua geração a escrever sobre temas do cotidiano local. É autora de Arrelá Ubatuba.

    

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