Um mar assim nos convida a escutar tudo ao redor. |
A
cada pessoa conhecida que morre ou que deixa a cidade em busca de melhores
condições para se viver, ponho-me a pensar a respeito de sua vida, dos momentos
de convivência, das prosas etc. Agora, por exemplo, estou pensando no “Carlos”,
alguém que morava no Perequê-mirim, na mesma época que eu.
“Carlos”
teve um berço distante, num lugarejo da distante Iugoslávia, mas está
sepultado, há duas décadas, no nosso cemitério central, no coração da cidade de
Ubatuba, de onde se sente a maresia e a aragem a tocar as pequenas embarcações,
a envolver os casais que se acariciam no jundu e a refrescar as crianças que
brincam no lagamar.
Era
um ótimo eletricista, foi casado com uma caiçara. Tiveram um filho que foi uma
das primeiras vítimas da AIDS, essa doença
que surgiu no começo da década de 1980. Em seguida, ele também morreu não sei
por qual doença. Também a viúva não durou muito tempo, mesmo tendo escolhido
outro companheiro maravilhoso para a convivência. Infelizmente acabou a geração
desse pessoal.
De
“Carlos”, ao questionar sobre o porquê de sua trajetória desde a sua terra
distante até a nossa terra escondida (na época o nosso município estava
chegando aos 15 mil habitantes), assim ele, um apaixonado convicto, me
respondeu:
“Eu
vivo perseguindo ilusões, desprezo a tirania das convenções sociais e prezo
muito a minha liberdade individual. Tudo isso me trouxe aqui; faz-me viver tão
tranquilamente longe do meu torrão natal”.
Mais
tarde, logo após a morte de seu único filho caiçara, eu tive outra oportunidade
de me encontrar com o “Carlos”, de escutá-lo no rancho de canoa do Licínio “Teteco”.
Estava muito abatido; assim desabafou:
“Agora
choro, e, as minhas lágrimas caem no vazio. É uma forma de expiar a falta de
ternura àquele que agora está morto. Fiz muitas coisas para o meu filho, mas
muito mais deixei de fazer”.
E
nesse clima deixamos o jundu naquele dia de outono. Parece que era tempo mais propício de
diálogos e de gestos concretos pelas dores e alegrias que nos cercavam.
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