Pescador feliz em Caraguatatuba - (Arquivo Saladinha) |
Eu já contei, em outra ocasião,
alguma coisa do enigmático Hiroito. Por um tempo, na década de 1980,
acompanhando alguns jovens “filhinhos de papais”, ele morou na praia da
Fortaleza. Hoje achei algo mais sobre ele. Ah! Estava esquecendo uma coisa: eu
ajudei a vender o livro que ele escreveu na prisão.
Hiroito de Moraes Joanides
nasceu em Morretes, Paraná, em 1936 e veio para São Paulo com a família em
1948, onde estudou e trabalhou em diversos lugares. Aos 21 anos, foi acusado
pela morte de seu pai, barbaramente assassinado com golpes de armas brancas. A
aproximação com a Boca do Lixo, que até então tinha um caráter de divertimento
e que era tão comum aos rapazes da época, torna-se necessário refúgio para o
jovem que se tornou um personagem notável nas páginas policiais. Magro, grandes
óculos, aparência frágil, com uma cultura rara naquele ambiente, Hiroito
conquista espaço e respeito na Boca pela violência e pela inteligência com que
travava suas relações. Com a exploração de seus feitos pelos meios de
comunicação, principalmente os jornais, a figura de Hiroito extrapola os
limites da Boca e ganha notoriedade, fazendo com que sua fama cresça até que se
promova uma caçada ao homem que ficou conhecido como o rei da Boca do Lixo.
Preso, Hiroito escreve este livro (Boca do Lixo) em que sua história se mistura
com a formação, o auge e a decadência da Boca. Morreu em 1992 na cidade de São
Paulo.
Foi do Hiroito
que eu escutei pela primeira vez sobre a Guerra de Tróia. Também dele eu recebi
uma lição da Biblioteca de Alexandria. Disse que era no Egito (no lugar das
pragas, cruz credo!) e que foi um importante centro cultural.
Imagine
se, numa realidade onde se transpirava o roçado e a pescaria num caldo
católico, alguém imaginava o que era um centro cultural! Por isso foi preciso
muita paciência do Hiroito para explicar isso. Somente meia dúzia de caiçaras
prestava atenção, pois não era coisa do nosso universo; os demais gracejavam
discretamente com o palavreado novo. Eu e outros aprendemos. Eis um exemplo de
fala desse personagem que por aqui passou:
“Os
textos, tudo isso que está nos livros, nas revistas e até mesmos nos entalhes
que alguns caiçaras fazem com tamanha perfeição podem ter três vertentes:
literal, alegórico e moral. O primeiro se restringe à propria letra; o outro se sconde sob fábulas. Da moral, uma palavra tão insistida para encobrir a ética, custosa para se aplicar, é o que se pretende ensinar para viver bem consigo e com os outros".
Lembrei-me disso agora porque, pensando bem, aquele ex-detento, enquanto esteve entre nós, era um dos intérpretes dos pasquins enigmáticos produzidos por não sei quem. Portanto, concluo agora: ter uma teoria sobre a linguagem ajuda muito a encontrar um sentido para o dia-a-dia, além de brincar com as formas de comunicação e suas estéticas. É assim que se chega a caminhos e modos de vida (existência) propriamente humanos. Que consolo!
Lembrei-me disso agora porque, pensando bem, aquele ex-detento, enquanto esteve entre nós, era um dos intérpretes dos pasquins enigmáticos produzidos por não sei quem. Portanto, concluo agora: ter uma teoria sobre a linguagem ajuda muito a encontrar um sentido para o dia-a-dia, além de brincar com as formas de comunicação e suas estéticas. É assim que se chega a caminhos e modos de vida (existência) propriamente humanos. Que consolo!
Prezado José Ronaldo, boa tarde! Me chamo Everton Araújo, sou historiador e desenvolvo uma pesquisa de doutorado sobre a Boca do Lixo e, consequentemente, o Hiroito é um sujeito fundamental na minha pesquisa. Sei por alto dessa estadia dele no litoral paulistano, será que podemos conversar um pouco sobre a passagem por ai? abraços, belo texto!
ResponderExcluirBasicamente é isso que escrevi. Ficou cerca de um ano por aqui, na praia da Fortaleza. Creio ter sido em 1979. Caso você venha em Ubatuba, procure por Ellen, um ponto comercial bem perto do aquário de Ubatuba. A proprietária (Ellen) era alguém próxima do Hiroito naquele tempo. Quem sabe ela não aceita falar a respeito? Na praia da Fortaleza, pode perguntar pelo Toninho do Dário, Beto do Antônio Pernambuco, Fernando do Maneco Mesquita. Eles devem lembrar melhor, tiveram mais vivências no local.
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