Era uma tarde tranquila. No coração do lugar ficava a casa da Margarida, uma artesã acolhedora vinda há muito tempo de Minas Gerais, mas que se integrara rapidamente com a caiçarada pelo fato de saber tecer taboas e de gostar do estilo de vida do povo dali. Para nós era a CASA AMARELA.
Na casa de Margarida se reunia mais gente para prosear e fazer artesanato. Eu era um deles; me detinha regularmente por ali, na varanda, para fazer uns entalhes. Na CASA AMARELA ficava uma caixa com os formões para isso; qualquer um podia fazer uso das ferramentas caso tivesse inspiração e tempo de se compor naquele ambiente comunitário. Vez ou outra passava pessoa de fora (turista) para ver as novidades e adquirir artesanato original.
Naquela tarde, somente eu estava na varanda com cachorros e crianças se tecendo, os demais trabalhavam e conversavam na grande sala da casa. Vez ou outra saía uma gargalhada prazerosa. De repente, como ocorria de vez em quando, uma viatura policial se aproxima com dois agentes e estaciona debaixo da grande mangueira do terreiro. Demonstrando tranquilidade, eles desembarcam e se arrumam, dão um "capricho na aparência". Um dos policiais, o superior na hierarquia, quer transmitir ao novato que ele está inteirado com o povo dali, que conhece bem a Margarida etc. Passam por mim apenas olhando o que estou fazendo, mas nem me cumprimentam. Não demoram muito tempo no interior da casa. O superior, satisfeito, volta carregando uma sacola de peixes. Assim que passam onde eu estou, escuto um pedaço da fala: "Sempre que quiser uns peixes frescos é só passar aqui. Essa gente pesca sempre e guarda uma reserva na geladeira. Quem é policial tem de se aproveitar da farda, da autoridade. Tem de ser esperto". Ai que raiva eu senti. Creio que não é lição assim que eles aprendem na formação. Se isso acontece, é por desvio de caráter. Como pode ter gente dessa, que se aproveita dos mais pobres em vez de os ajudar? Que tristeza ver alguém oprimido pelo medo, pela autoridade garantida em leis. E o pior é saber que quem sustenta esse importante serviço (de manter a segurança) são as contribuições, os impostos de quem trabalha. Está provado que o povo trabalhador é o principal pagador de taxas e impostos neste Brasil, pois os ricos sempre dão "um jeitinho" de escapar dos deveres. Cada produto que compramos tem uma taxa inclusa. Cada serviço que precisamos (água, luz etc.) tem uma cobrança extra que vai para os cofres públicos. Depois vem imposto territorial e mais outros que estão em constante ebulição na sociedade. E deixa de pagar um deles para ver!
A viatura já estava para sair quando eu vejo a Margarida sair apressada para perguntar: "O meu filho casado com uma moça de Paraty precisa fazer outro documento lá para conseguir emprego?". O policial do assento do carona, o superior que vai levando os peixes, responde: "Não vai precisar não. O documento que ele tem vale pelo país inteiro". Faz bastante tempo isso. A CASA AMARELA não existe mais porque os pobres daquele lugar não puderam mais pagar os altos impostos. Tudo aquilo virou lugar de gente rica. Quem comprou aquele lugar construiu uma pousada, um resort só para bem endinheirados. O asfalto chega até lá. Pobre mesmo é quem está empregados ali. Será que viaturas ainda param debaixo da velha mangueira e há policiais a repetirem aquele péssimo costume? Quero acreditar que não!
Nenhum comentário:
Postar um comentário