terça-feira, 18 de janeiro de 2022

PROTESTOS NA MATA

Arte no restaurante -  (Arquivo avulso)

   Na mata tem seres fantásticos. Na nossa Mata Atlântica tem mais ainda! Esses seres são os donos da mata. Os caiçaras mais velhos falavam dos macacos, os monos [buriqui ou muriqui], em especial os barbados [bugio] que, ao avistarem caçadores, gritam o tempo todo para alertar o próprio grupo e os demais animais da redondeza. Quando criança eu já escutava histórias impressionantes de macacas defendendo seus filhotes, implorando para que não atirassem nele. Francisco Alexandre contou que "uma fêmea de barbado, com o filho nos braços, vendo-se sob o alvo da arma do caçador, chorava e falava, mostrando o filho, como uma súplica para que o tiro não fosse desfechado". E o que dizer daqueles relatos onde a pessoa, após um "tiro vergonhoso", passa a sentir remorsos, ter miragens, ver os animais condenando-a com suas falas e até resolver abandonar o hábito de caçar? Chico Braga foi um desses: começou a sentir o peso de muitos momentos covardes que viveu em caçadas, foi ficando acabrunhado, apertou o coração... e... se converteu a uma dessas religiões que assustam mais ainda.  
 
  Vem do Ubatumirim a admiração maior pelos costumes dos macacos. Olympio assim escreveu na década de 1970: 

  "Os costumes dos monos e barbados causam muita admiração aos ubatumirenses. O capelão dos barbados, um macaco forte e sisudo, com sua barba respeitável, ocultando o seu gogó saliente, lidera o bando que tem por volta de 10 indivíduos. No caso do perigo, o capelão, aos berros, envereda-se pelas ramagens, emadrinhando-se atrás dele os membros do bando. Nas encostas da Serra do Mar, com seus urros e berros fazem a mata ficar em silêncio".

  A última vez que eu presenciei uma gritalhada de macacos, foi há anos na cachoeira da Água Branca, no Sertão da Quina. Eu e o primo Giovani ainda tomávamos café ao amanhecer quando aquela zoeira foi se aproximando e parou numa árvore bem em cima de onde estávamos. Ficaram fazendo barulho por quase meia hora, depois sumiram, continuaram o passeio. "Bugio  gritando é sinal de chuva chegando, Zé", disse o primo. "Mais ainda? Então eles devem passar o tempo todo gritando!", comentei rindo imediatamente. "Acredito que eles vieram por curiosidade e aproveitaram para alertar outros animais da nossa presença aqui. É a forma de protesto dos macacos. Tomara que eles possam viver por aqui mais tempo do que nós. Pelos tempos que este território é deles, imagino o quanto conhecem disto tudo. Quantas dessas árvores nasceram graças aos passeios deles. Quantas sementes um bando espalha num passeio desse? Você acha que aquele cambucazeiro bem ali, essa quantidade de pés de araticum e tantas outras frutíferas que nos socorrem por aqui é trabalho de mãos humanas? Devemos aprender com eles a protestar contra as invasões, os desmatamentos, as caçadas e tantos outros absurdos que vamos ignorando". Por fim, não esqueço da fala do Giovani: "Desses bichos todos, nós fomos os últimos a chegar e os primeiros a causar o fim de tanta coisa, a apressar o fim do mundo. O que podemos fazer para mudar isso?".

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