Campos do Jordão - Sombra luminosa - Arquivo JRS |
A Prefeitura acabara de cortar umas árvores naquela semana a pretexto de melhorar a via para carros na avenida da praia. Elas estavam naquele lugar há muito tempo. Nasceram espontaneamente ou foram plantadas? Não sei. Próximo delas morava alguém que, em outros tempos, foi pessoa muito influente na sociedade local. Naquele momento, eu que por ali passava, escutei um pouco da conversa dessa pessoa já idosa com uma senhora, mais idosa ainda, a respeito da ação daqueles dias praticada pelo prefeito. "Eu as vi crescerem, embelezavam, davam sombras e, além de nós, serviam aos passarinhos. Onde já se viu uma coisa dessa? Sabe o que vai ser ali agora? Será uma estrada, pois a prioridade são os carros. Será que não basta uma via só, sem essa desculpa de duplicação? Os carros, a cada ano, devem se multiplicar. O que farão depois? Construirão uma terceira via? Removerão as casas antigas? Construirão sobre a praia? E depois de tudo cimentado, asfaltado etc. será prazeroso viver aqui?". A senhora, que escutava atentamente, falou com sabedoria: "Haverá tempo em que não haverá árvores a acolherem os caminhantes exaustos, os jovens enamorados, as amizades a se abrigarem em sombras para suas prosas...Os pescadores já não as enxergarão como referências nas vindas de suas labutas. Essas árvores, como todas as árvores dessa avenida, serão sacrificadas para o bem-estar de outro ser, de seres humanos que se acomodam em veículos potentes e precisam de espaços apropriados. Depois, pontos comerciais se amontoarão nesta avenida inteira e serão justificados porque alguém/alguns precisam ganhar dinheiro, se enriquecer. E assim se sentirão felizes na transição terrena. Nós passaremos, Seo Pedro. Felizmente não seremos cortados. Agora, na nossa velhice, nos conformemos com aquilo que ainda podemos fazer com nossas palavras, esperando a morte ainda respirando este ar puro. Que possamos ser sombras a espíritos que não foram corrompidos; que convertamos corações. Vamos olhar as verdes encostas medrosas pelo mar bravio batendo nas pedras; vamos contemplar o céu todo safira bordejando de azulado; vamos desfrutar do sol que perpetua a vida. Vamos nos amar porque é o amor que defende a vida. Quem poderá dizer daquilo que as futuras gerações poderão fazer? Quais intervenções ainda darão muito o que falar na sociedade ubatubense? Quem sabe as nossas sombras possam iluminar, né". Eu me afastei pensativo: "Como pode uma sombra iluminar?". Hoje, relendo os registros daquela senhora, eu entendo e sinto a luminosidade "ambicionada" naquela prosa daquele tempo. Valeu, Dona Idalina Graça!
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