sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

DEPOIS A GENTE CANTA

Maranduba vista do Morro do Andrelino - 1960  (Arquivo Ubatuba)


     Conforme o combinado com bastante antecipação, eu, Antunes e mais uns três da Maranduba fomos cantar Reis no Puruba, na comunidade da praia. Ah! Faz tempo! Tia Baía e Tio Dico nos aguardavam na beira do rio porque a rede estava na água, pronta para a puxada. Um cardume grande fora avistado naquela fartura de rios (Quiririm e Puruba) represados. Você acha que a caiçarada consegue resistir, deixar de cercar peixes que se mostram assim? Podia ser parati, robalo, guaivira, tainha... Largaram os pratos na hora em que viram aquela coisa maravilhosa fazendo festa na água.  No cabo mais de perto estava o Zé Roberto aguardando o sinal para puxar; no de longe não reconheci quem era. De repente, ajeitados rente ao chão, uns pratos prontos, de comida. E a ordem da Tia Baía: "Comam. Vocês irão cantar depois. Primeiro vamos ver o que vem na rede. Por enquanto, ganhem força e se preparem para ajudar o pessoal, na beirada do rio". Eu logo comecei a beliscar uns pedaços de mandioca frita do prato mais próximo. Nisso olhei na água e vi uns pássaros, uns biguás também sondando peixes. Assim que eles mergulharam. Pensei: "Parecem esfomeados; vão roubar uns peixes da rede". Tive a impressão de que o primo Antunes leu o meu pensamento: "Não tem problema; tem peixe para todo mundo. Enquanto isso, também vou comer alguma coisa disso que está no prato"

   Puxa que puxa, recolhe os cabos...vai chegando a panagem da rede e vai se debatendo peixe na pequena faixa de terra. Os balaios vão se enchendo. São paratis, com uns robalos pelo meio, junto do grande cardume. Ali mesmo já começa o trabalho maior de "consertar" os peixes. A quase totalidade é escalada para depois ser salgada e ser posta para secar ao Sol por dias. Em seguida, será armazenada entre folhas de bananeiras secas e consumida aos poucos, no tempo de maior precisão. 

    A noite chegou quando o serviço terminou. Assim que tomamos um banho rápido, um gostoso café com farinha e peixe frito nos animaram. Proseando sempre, nos dirigimos à capela. Após a oração da comunidade, a Ladainha dos Santos Reis, onde o presépio era o  motivo principal, houve a cantoria. Ali, naquela comunidade de gente nossa, simples e dependente das dádivas da natureza preservada, percebi o sentido da estrofe: "Bem podia ter nascido em colchão de ouro fino/ Mas para dar exemplo ao mundo, nasceu pobre o Deus-menino". 

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