terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

EMPODERAMENTO

Parte de uma xilogravura - Arquivo JRS


     Fui fazer uma visita ao amigo Daniel recém chegado de uma viagem ao Nordeste brasileiro. Sua casa fica meio que retirada do centro do bairro, longe da rodovia, com poucos vizinhos. O convite foi tentador: "Trouxe umas coisas da terrinha, Zé. Passa lá para uma prosa e aproveitar uns comes e bebes". De fato foi muito bom. Ele é muito animado; a conversa foi longe com o tempo passando voando. Quando estava na saideira, quase me despedindo, uma confusão na vizinhança: "Ah! Não se assuste, Zé! É o casal daquela casa mais perto: ele, já ouvi dizer, é militar aposentado e ela é diretora de escola, ainda não se aposentou. Briga é coisa comum entre eles; sai uns xingamentos e uns tabefes. Não passa uma semana sem esses arranca rabos. Depois vão dormir, e, no dia seguinte, parece que não aconteceu nada. São crentes, evangélicos, de uma igreja ali no centro da cidade. Certamente que quem trabalha com ela deve notar umas marcas na coitada e escutar as explicações dela. Mas isso não me interessa; fica tudo entre eles. Acho que é ciúmes dele por ser bem mais velho que a esposa. Desconfio que ele não dá dando conta do recado. Será que não é isso? É o que eu penso. Minha companheira concorda comigo. Não sei como podemos ajudar nesse caso".

   Fiquei curioso. Pensei: "Que diretora é essa que se submete a isso?". Na saída da casa do meu amigo, passei devagar pela casa vizinha e tentei ver as pessoas que continuavam em confusão. O homem estava visivelmente embriagado; a mulher tinha um olho roxo. "Ai que vontade de fazer uma denúncia anônima para a polícia, para a igreja deles, para a escola... Quem sabe isso não inibe o valentão e alivia a situação da coitada". Nesse momento reconheci a tal senhora, já havia participado de reuniões com a presença dela. Nas últimas, quando o assunto apresentado como possível projeto era Mulher, ela interferiu dizendo: "É um tema bom, mas não aguento mais ouvir coisa em torno de empoderamento delas. Acho maçante, já deu o que tinha de dar. Eu voto contra um direcionamento assim". Naquele momento refleti em torno do quanto falta para a maioria das mulheres se tornarem empoderadas, deixarem de ser somente exploradas, tolhidas em suas capacidades e serem amadas por seus companheiros, por seus filhos... Quanto de violência acontece país afora contra as mulheres? A mídia está sempre trazendo fatos horripilantes. E o tanto de casos que certamente nem é relatado, nem registrado, nem denunciado porque grande parte das pessoas considera "normal"?

  Por que aquela diretora e outras bem vestidas professoras se posicionam contra o empoderamento das mulheres? Por que defendem que a escola precisa deixar de falar, de provocar reflexões a respeito disso? Eu desconfio que tenho uma resposta: elas não conseguem dar um passo decisivo contra a submissão, contra o machismo. Mas isso não quer dizer que a EDUCAÇÃO tenha de se omitir diante de tantas crueldades e injustiças decorrentes disso! Quanta gente tem de ter, ao menos na escola, essa chance de reflexão, de ser protagonista, de ter autonomia, de ser amada e respeitada desde o próprio lar?

2 comentários:

  1. A maior parte das igrejas evangélicas atua para a permanência dessa submissão. Não é por acaso que o inominável tem o apoio incondicional delas.

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  2. Penso assim também, Jorge. Submissão pelo medo (da divindade, do marido, do patrão, do governo etc.).

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