Escuridão iluminada (Arquivo JRS) |
Alfredinho me contava uma passagem
difícil, vivida por ele há muito tempo:
- Fiz umas duzentas braças no riacho até
encontrar uma outra estrada. Andei mais depressa, tanta era a vontade de
chegar. Mas o caminho ia ficando cada vez mais estreito e cheio de pedras.
Finalmente notei que não havia mais sinal de caminho. Cortei diretamente por
dentro do mato até chegar a um ponto mais alto. Olhei para todos os lados.
Nenhuma casa à vista. Nada que se parecesse com uma trilha, nenhuma presença de
lavoura. Estava totalmente desnorteado. A sede apertou. Lembrei-me da finada
Rita Campos, que em 1947 se perdeu no mato e morreu de fome e sede. Ainda
existe uma cruz no lugar onde foram encontrados os seus ossos. O povo vem de
longe para rezar, deixar uma pedra no pé da cruz e derramar uma garrafa d’água.
E eu pensava: “Tanta gente que vai botar água na cova da finada Rita e eu aqui
no meio do mato sem ninguém para socorrer”. Meia hora depois encontrei uma
casinha de taipa. Estava fechada e a luz parecia apagada. Gritei: “ô de casa”.
Minha voz estava rouca. Quanto mais eu gritava, pior saía o som. Dentro da casa
o povo era capaz de pensar que lá fora havia um bêbado ou um doido. Gritei de
novo: “ô de casa”. Aí veio uma resposta: “ô de fora”. Acendeu-se uma lamparina
e a porta se abriu.
Quantas vezes a gente está à espera de uma
porta se abrir, sobretudo neste tempo de pandemia?
O governo federal, desde o início,
tratou com descaso a doença, se omitiu das suas responsabilidades, desprezou as
recomendações da ciência (espalhou mentiras sobre determinado medicamento, não
investiu em vacinas, cortou verbas de pesquisas etc.) para conter danos maiores e vencer a doença.
Diante do número crescente de mortes, respondeu: “e daí?”. Pressionado pela
elite que conduziu o golpe e os votos a ele, mas também porque é contra os
pobres e aqueles que lhe faz oposição, esse presidente deseja matar mais gente.
A quase totalidade dos governos estaduais seguem o mesmo péssimo exemplo, praticam
a necropolítica.
No
meu caso, no exemplo da minha casa, todos seguimos desde março do ano passado
as recomendações sérias para evitar a doença (covid 19). Nossos trabalhos foram
todos de forma virtual. Creio que os mais interessados aproveitaram as aulas,
foram além delas. "Façamos a nossa
parte, pois muita gente precisando de atendimento ao mesmo tempo resulta em
colapso do sistema de saúde” continua sendo o nosso lema.
Um ano depois, continuamos no agravamento
da situação; inimaginável o contato com
alunos, em ônibus cheios etc. Ainda seguimos inconformados pela repulsa ao
conhecimento científico e o descaso pelas vidas. Agora, a qualquer custo, nos
pedem um sacrifício maior. Pessoas queridas estão perdendo suas vidas. A minha
esposa, pertencente ao grupo de risco, é causa de minha maior aflição. Eu, minha
família e tantas outras pessoas se recusam a dar a vida pelo lucro de uma
minoria. O dinheiro não pode valer mais que a vida! Como eu posso ir nesses
caminhos ficando cada vez mais estreitos e trazer a doença para casa? Como
aceitar o risco de causar o pior à minha companheira de vinte e cinco anos de
casamento, quem me sustenta na caminhada? Em relação à escola, por que não
continuar aperfeiçoando as medidas praticadas no ano passado? Decididamente não queremos fazer anotações em
planilhas de mortes escolares, nem ser anotados nelas.
Nossas vidas importam demais! "Que tempos são estes, em que temos que defender o óbvio?" (Bertolt Brecht)
“Ô de casa” é pedido de ajuda. É
esperança de uma lamparina se acender e uma porta se abrir.
Texto maravilhoso e atual. Ontem retornei ao trabalho de forma 100% presencial nas escolas em que leciono. É notória a falta de estrutura para receber nossos alunos. Temo pelas vidas que a covid continuará levando. Peço muita Força a Deus e tenho esperança de que tempos melhores estão por vir. Abraço
ResponderExcluirGratidão, Nelson. Temos de resistir às forças do mal. Um abraço a voc~e e familiares.
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