terça-feira, 19 de janeiro de 2021

CARLINHO DO GALO

 

Raul na calçada (Arquivo JRS)

      Carlinho do Galo nasceu Carlos Lobato Seixas. Faz muito tempo que mora no nosso bairro, na Rua do Galo. Tempos atrás, passeando sem rumo pela vizinhança, eu o encontrei e começamos uma prosa. Conheci Bartolomeu, seu pai, ainda na adolescência, quando trabalhava em um bar. Ele era recém chegado do sertão da Bahia. Veio, como tantos outros, para se empregar na construção civil. Era pedreiro, gostava de beber umas cachaças. Bastava se embalar um pouco mais da conta para repetir sempre que era primo do Raul Seixas, o músico que fazia bastante sucesso naquela época, Se alegrou muito no dia em que eu lhe disse que tinha conhecido o seu parente na praia da Fortaleza, quando passava uns dias descansando por lá, como hóspede de outro músico, o Gilberto Santamaria. Mas voltemos ao Carlinho do Galo. Como ele ganhou este apelido?

      Foi assim: por volta dos doze anos ele embarcou numa onda de gostar de brigas de galo. Era comum, no tempo dessa moda (que, felizmente, foi-se logo), ver adolescentes e jovens passando regularmente pelas ruas do nosso bairro segurando seus galos e seguindo em direção ao Morro do Bogodão, onde ficava a casa do Nelson. Era em seu terreiro que havia rinha de galos. Uma "arena" foi montada para o embate das pobres criaturas. As pessoas pagavam ingresso para assistirem horríveis espetáculos. Ao final, o montante arrecadado era repartido em três partes: uma ficava com o proprietário do local, outra para o dono do  galo campeão e a terceira acabava partilhada com os demais que levaram suas aves a tomar parte no evento. Era o chamado "prêmio de consolação". O fanatismo era tamanho ao ponto de ter semana com espetáculos todos os sete dias, segundo me contou o Carlinho. "Eu ganhei bastante dinheiro porque a minha vó tinha um galo índio imbatível. Pelo menos uma vez por semana ele ia comigo, me garantia vitória e boa grana. É pena que aquilo só durou meio ano ou pouca coisa mais. A polícia ficou sabendo; levaram o Nelson; ninguém mais teve coragem de promover rinha de galos por aqui. Por isso, desde esse tempo, eu sou o Carlinho do Galo. Moro logo ali com o meu pai que há anos, desde que caiu de um andaime alto, vive acamado. Agora vamos entrar para tomar um café. O velho gosta de receber visitas para poder conversar".

      Foi bom rever o Bartolomeu, mesmo em tão triste situação. Conversamos e rimos bastante. Prometi voltar sempre. Pura coincidência: Carlinho do Galo mora na Rua do Galo.

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