Jarobá teimoso na costeira (Arquivo JRS) |
Anos atrás, precisando consertar um pneu de bicicleta, parei na oficina do Bié. Pura besteira ter afobação naquele ambiente, pois a prosa era sagrada. Uma tabuleta ficava dependurada na porta de entrada: "Se tiver pressa não entre". Na ocasião, ele estava sozinho, rabiscava alguma coisa no caderno escurecido pelo manuseio de suas mãos de mecânico. "Triste quem se vê pela opinião alheia, né Zezinho?". E assim teve início a prosa naquela ocasião. "Gente assim não vive. Nunca será livre e nem forte. Que imagem da vida esse tipo de gente enxerga? Que fardo carrega?".
Continuei prestando atenção no Bié, querendo apreender ao máximo da sua fala. Mas não era fácil! Ele se referia à dificuldade que se tem em ser autêntico e seguir um caminho de retidão. "Pensar é perigoso. Quem me disse isso um dia foi o finado professor Jonas". Neste raciocínio seguia. Quem diria que Bié nasceu no jundu de tantas pitangueiras e abricoeiros, num tempo em que nem rodovia havia para ligar a cidade de Ubatuba com as outras mais próximas? "Quem quer controlar as pessoas, precisa também doutrinar seus pensamentos. Pensar é perigoso e raciocinar bem é avançar com a arma da verdade. O Estado, os governantes e as a maioria das pessoas não aguentam gente assim; tratarão como inimiga, pois não suportam quem quer ser seu juiz. E agora presta atenção: em volta de nós sempre haverá quem quer nos delatar e assim ganhar pontos diante dos poderosos. Trata-se de gente falsa, muito longe de ser ela mesma, que vive em função do alheio".
Quanto estudou o Bié? O Velho Caetano, companheiro dele há muito tempo, me garantiu que não terminou o quarto ano primário: "Nem diploma tem. O coitado só trabalhou desde o suicídio do pai".
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