domingo, 31 de janeiro de 2021

NASCIMENTO DA TÉCNICA

Terra, planeta água (Arquivo JRS)

      Antes, ao ver uma bica ou mina d'água, logo corríamos para beber água. Ou fazíamos as mãos em concha ou achávamos uma folha grande para fazer uma espécie de copo. Geralmente havia ao redor folhas de caetês, pariparoba e outras à disposição Assim saciávamos a nossa sede. Hoje, lendo Rubem Alves, encontrei a seguinte passagem:


     As mãos em concha são a solução simples para quem está ajoelhado ao lado da mina. Mas, e se a pessoa não puder se ajoelhar, por reumatismo ou velhice? Os homens observadores viram que havia umas grandes folhas nas quais a água ficava depositada, depois da chuva. Folhas de inhame. (É lindo ver as gotas de chuva, redondas e brilhantes, guardadas nas folhas de inhame. Quem viu uma vez não esquece. Fica guardada na alma...). Perceberam, então, que as folhas de inhame podiam ser usadas para substituir as mãos. Com duas vantagens. Elas são muito maiores que as mãos; guardam mais água. E, por não terem dedos, a água não escorre pelo meio deles. Folhas de inhame substituem as mãos, quando aquilo que se necessita é a água. Assim, passaram a usar folhas de inhame para pegar água na mina.

   Folhas de inhame para substituir as mãos... Quando a gente fala em tecnologia a gente pensa sempre em máquinas complicadas. Não é nada disso. Técnica é tudo o que se faz para melhorar algum órgão do corpo. Óculos são melhorias dos olhos. Facas são melhorias dos dentes. Arcos e flechas são melhorias dos braços. Sapatos são melhorias dos pés. Cotonetes são melhorias dos dedos. Pois foi assim que a técnica nasceu: quando os homens aprenderam que podiam usar coisas que encontravam na natureza como ferramentas para atender às suas necessidades.
 

sábado, 30 de janeiro de 2021

UM ETERNO INTIQUEIRO

  

Eu e tio Tonico mariscando (Arquivo JRS)

    "O mar é um eterno intiqueiro, meu filho"   (Genésio do Camburi)


     Intica é provocação, encrenca, discussão, querela;  Intiqueiro é quem está sempre provocando, querendo confusão, mexendo com quem está quieto, se importando com alguma coisa etc. A frase do Genésio, dita há uns dez anos, se referia ao mar. Comparava-o com um intiqueiro eterno em relação à costeira, à areia da praia, ao jundu e ao mangue. Certíssimo!

          Coisa impressionante é o mar! Vive na correria, num vai-e-vem constante, sempre transformando algo. Mesmo que grande parte das vidas nele desapareçam, nós sentiremos a necessidade de se aproximar dele para receber sua energia. Ainda que não possamos nos banhar nele devido a poluição sufocante e causadora de doenças, nós necessitaremos admirá-lo,  admirar sua dinâmica que é parte fundamental do planeta Terra, da VIDA. Apenas podendo olhá-lo, ainda que de longe, não nos esqueceremos que ele nos alimentou, nos deu a sustância para ter saúde e avançar nos anos. Quantas vezes mariscamos nele? O que dizer de nossas pescarias nas costeiras, nos largos e nos mergulhos? E os prazeres e medos que passamos nele, sabendo que éramos como uma folha navegando sobre esse colosso?

           Se um dia perdermos os sentidos que captam esse mar por inteiro, ainda nos restará as recordações de tudo que vivemos em decorrência dele, inclusive o cheiro da maresia, o voo dos pássaros, o arranque do peixe no anzol, a força que demos no remo para conduzir a canoa, a fartura na rede que puxávamos na praia, o rumorejar de suas águas em baixas e altas marés, as braçadas e mergulhos desde criança ainda... Quando acabar tudo isso, nós já seremos findados. 

         Não tem como não ser intiqueiro, sobretudo com a política do presidente atual que faz de tudo para facilitar a vida daqueles que destroem os recursos naturais e perseguem as culturas tradicionais.


         No poema Duras lições, intica o mano Mingo:


A natureza tem ritmo e candência
inadequados para quem não tem paciência:
os loucos derrubaram a mata atlântica
e plantaram cafeeiros nos morros.
Vieram as enxurradas e levaram de roldão
nutrientes, solos e plantação.

Os tolos aspergiram inseticidas de avião
e mataram abelhas, joaninhas e passarinhos,
o gafanhoto virou praga,
acabou a polinização
e o silêncio tomou conta da criação.

Os egoístas aterraram os manguezais
para construir marinas e condomínios
taparam as tocas dos guaiamus
e jogam esgotos no mar para desgosto do caiçara,
para adoecer a tal ponto as baleias,
que, por tristeza, se suicidam nas areias.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Ô DE CASA

 

Escuridão iluminada (Arquivo JRS)


       Alfredinho me contava uma passagem difícil, vivida por ele há muito tempo:

       - Fiz umas duzentas braças no riacho até encontrar uma outra estrada. Andei mais depressa, tanta era a vontade de chegar. Mas o caminho ia ficando cada vez mais estreito e cheio de pedras. Finalmente notei que não havia mais sinal de caminho. Cortei diretamente por dentro do mato até chegar a um ponto mais alto. Olhei para todos os lados. Nenhuma casa à vista. Nada que se parecesse com uma trilha, nenhuma presença de lavoura. Estava totalmente desnorteado. A sede apertou. Lembrei-me da finada Rita Campos, que em 1947 se perdeu no mato e morreu de fome e sede. Ainda existe uma cruz no lugar onde foram encontrados os seus ossos. O povo vem de longe para rezar, deixar uma pedra no pé da cruz e derramar uma garrafa d’água. E eu pensava: “Tanta gente que vai botar água na cova da finada Rita e eu aqui no meio do mato sem ninguém para socorrer”. Meia hora depois encontrei uma casinha de taipa. Estava fechada e a luz parecia apagada. Gritei: “ô de casa”. Minha voz estava rouca. Quanto mais eu gritava, pior saía o som. Dentro da casa o povo era capaz de pensar que lá fora havia um bêbado ou um doido. Gritei de novo: “ô de casa”. Aí veio uma resposta: “ô de fora”. Acendeu-se uma lamparina e a porta se abriu.

       Quantas vezes a gente está à espera de uma porta se abrir, sobretudo neste tempo de pandemia?

       O governo federal, desde o início, tratou com descaso a doença, se omitiu das suas responsabilidades, desprezou as recomendações da ciência (espalhou mentiras sobre determinado medicamento, não investiu em vacinas, cortou verbas de pesquisas etc.) para conter danos maiores e vencer a doença. Diante do número crescente de mortes, respondeu: “e daí?”. Pressionado pela elite que conduziu o golpe e os votos a ele, mas também porque é contra os pobres e aqueles que lhe faz oposição, esse presidente deseja matar mais gente. A quase totalidade dos governos estaduais seguem o mesmo péssimo exemplo, praticam a necropolítica.

       No meu caso, no exemplo da minha casa, todos seguimos desde março do ano passado as recomendações sérias para evitar a doença (covid 19). Nossos trabalhos foram todos de forma virtual. Creio que os mais interessados aproveitaram as aulas, foram além delas. "Façamos a nossa parte, pois muita gente precisando de atendimento ao mesmo tempo resulta em colapso do sistema de saúde” continua sendo o nosso lema.

      Um ano depois, continuamos no agravamento da situação;  inimaginável o contato com alunos, em ônibus cheios etc. Ainda seguimos inconformados pela repulsa ao conhecimento científico e o descaso pelas vidas. Agora, a qualquer custo, nos pedem um sacrifício maior. Pessoas queridas estão perdendo suas vidas. A minha esposa, pertencente ao grupo de risco, é causa de minha maior aflição. Eu, minha família e tantas outras pessoas se recusam a dar a vida pelo lucro de uma minoria. O dinheiro não pode valer mais que a vida! Como eu posso ir nesses caminhos ficando cada vez mais estreitos e trazer a doença para casa? Como aceitar o risco de causar o pior à minha companheira de vinte e cinco anos de casamento, quem me sustenta na caminhada? Em relação à escola, por que não continuar aperfeiçoando as medidas praticadas no ano passado? Decididamente não queremos fazer anotações em planilhas de mortes escolares, nem ser anotados nelas.

       Nossas vidas importam demais!  "Que tempos são estes, em que temos que defender o óbvio?" (Bertolt Brecht)

      “Ô de casa” é pedido de ajuda. É esperança de uma lamparina se acender e uma porta se abrir.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

FOI-SE UMA PAJÉ

Na aldeia (Arquivo JRS)

    Crianças brincam alegremente. Notadamente, alguém vela por tudo. É dia de festa, de partilha e de reencontros. A juventude, aproveitando a data, com sorrisos e olhares, procura entre si amizades e pretendentes. Alguns, do namoro do ano anterior, seguram suas primeiras crianças. Desse modo se perpetua o grupo. Adílio e Maria trazem para me apresentar a pequena Cíntia. O avô se aproximou. Sorriu orgulhoso pelo casal que segura a menina. Não disse nada, mas pareceu esperar para ver também a minha satisfação. Um grupo de crianças, meninos e meninas, brincam chutando bola no chão de areia. Mais além, no barranco, três rapazes afinam seus instrumentos para a apresentação que vai seguir a programação. Eu admiro tudo. O idoso pajé anda com as mãos às costas. Todos o respeitam e deixam a sua passagem livre. Ele ronda pelos espaços, entre a gente dele e quem está visitando. Não se detém para conversar, apenas acena com cabeça e os olhos brilhantes que se escondem nas frestas do rosto agora bem enrugado, mas pintado com as marcas da tribo. Altino, em outra ocasião, me explicou que ele reza, vigia contra os espíritos maus que querem se misturar ao seu povo. "É nosso guardião. Tem a missão sagrada de prevenir os males e de curar as doenças que aparecem. Conhece os matos e as rezas. Todos que nascem aqui recebem o primeiro nome dele na Casa de Reza. Cada um de nós tem uma razão na natureza e no nosso povo. Nosso primeiro nome está no espírito da natureza. Nós somos parte dela. Cabe ao líder religioso escolher o nome de cada criança que vai se enriquecer com os dons da natureza. A vida dela escorre e alimenta essa pequena porção que é o nosso nome. Cabe ao pai e à mãe da criança  cuidar dessa semente, zelar para que seja uma frondosa árvore, com flores e frutos que agradam. Os pais e a mães da aldeia auxiliam sempre nesta tarefa. Os mais velhos também velam pelo povo".

     Passo horas de muita satisfação. Não noto, em nenhum momento, alguma alteração no ritual de pajé. Sempre indo e vindo lentamente ele passeia no mesmo ritmo. Penso eu que ele enxerga tudo com olhos superiores, com a força da mente e do coração. As crianças continuam como bandos de passarinhos: pulam e voam com as energias de corpos novos. Em volta, as energias dos adultos também zelam pelo espaço. Tudo é sagrado porque tem vida; aqui ela transborda. É a cachoeira ruidosa que me conduz agora. O local da festa ficou lá atrás. Sigo o caminho na mata escutando piados e cantos diversos. De vez em quando um barulho rápido denuncia que um animal correu ao pressentir os meus passos. Esse povo zela por tudo isso. À frente da  aldeia está o velho pajé e o cacique. Eles cuidam com toda dedicação dessa gente primeira do Brasil. O pajé está atento àquilo que paira acima de todos nós: a fidelidade, o compromisso com a VIDA. O seu espírito vive na busca, não se afasta do espírito da NATUREZA.


Em tempo:    Dona Lourdinha, a minha mãe de Juiz de Fora, falecida ontem, mais uma vítima do vírus do momento, poderia ser pajé. Foi pajé! Ela também zelava por nós, dizia que sempre estávamos em suas orações. Apenas quatro dias depois do Júlio ela se foi. Mãe e filho se foram. Resta a nós a forte energia dela que se fez nele, dos momentos que se fizeram conosco e são partes do nosso ser.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

ARTE E VERDADE

Imagens no muro (Arquivo JRS)


      Admiro os artistas. Por aí estão eles e elas pintando, escrevendo, encenando, cantando, trançando, entalhando, costurando etc. "Temos a arte para não morrer da verdade", segundo o pensador Nietzsche. Creio nisto também! 

      De repente, de um tronco saia um pescador pelas mãos habilidosas dos saudosos mestres Bigode, Da Motta, Jacob... Passando pelas ruas enxergo as pinturas do Cristiano, do Salomão, do Alexandrino e demais artistas. Quando criança, eu me encantava olhando o Cireneu criando sua paisagens alegres pelas paredes, azulejos e outros espaços. O Pio, entalhando seus quadros, me desviava de outras atividades para a admiração. Morávamos na mesma praia. E quantas horas fiquei escutando o Doquinha no violão, no cavaquinho ou na sanfona? E o que dizer das poesias do Zé Carlos Góis, da Hione, da Terezinha Fazzuoli, do João Batista, do mano Mingo e de tanta gente mais? Tenho bem vivo na memória o Eduardo na encenação de Morte e Vida Severina! E a adolescente Luci a declamar Operário em construção, do Vinícius de Moraes? Quanta emoção naquele 1º de maio, Dia do Trabalhador!?! E o pessoal do fandango caiçara? Gente nossa em festa! E essa gente toda fazendo violas e rabecas? Coisa linda! "Lin'demais!"

      Caso fosse possível, não deixaria de escrever a cada dia. Porém, há os compromissos da minha profissão, das atividades a serem preparadas e aplicadas na escola. Assim, não estranhe se, vez ou outra, aparecer um clarão nas minhas postagens. A verdade é: escrever é um prazer. Só que também vivo as limitações, pois preciso ganhar dinheiro. "Ah, esse vil metal!"
 

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

SANGUE BOM

 

Grande Júlio! (Arquivo MST)


Eu, Nelson e Júlio com sua inseparável bolsa (Arquivo JRS)

     Partiu Júlio César Mello, o meu mais que amigo Júlio, de Juiz de Fora. Era diabético. Mais uma vítima do vírus desdenhado pelo excrementíssimo genocida e mitômano que, depois de eleito democraticamente, está empenhado em acabar com a democracia. É triste, mas a gente já previa isso. Conforme as palavras do Júlio, na prosa do ano passado, por ocasião da nossa visita a ele e sua família, "muita gente tem as mãos manchadas de sangue nesses crimes e nessas mortes que decorrem do presidente do nosso país. Como pode o ódio valer mais que o amor, Zé?".

     Júlio, desde que eu o conheci, em 1985, teve uma trajetória de vida ao lado dos mais pobres, dos excluídos, militando nos movimentos sociais. Sua sensibilidade e fidelidade fez com que logo se engajasse nas lutas pela terra. Em Cachoeira de Macacu, no Rio de Janeiro, militou no campo, entre os trabalhadores rurais, se apoiando nas orientações da igreja católica através da CPT (Comissão Pastoral da Terra). Em seguida, na cidade de Santo André e adjacências, em São Paulo, a sua presença nos movimentos de favelas e nas CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) firmou mais ainda o seu caráter de entrega através da solidariedade, da organização, da esperança e da alegria de conviver com os mais necessitados. Depois de passar um tempo no Nordeste com a companheira Francisquinha, retornou ao seu chão de origem e se ligou ao MST (Movimento dos Sem-Terra). E assim me reencontrei com ele há cinco anos: estava totalmente entrosado e participando desta organização-resistência dos trabalhadores rurais que há 37 anos despontou como luz para o povo que vive oprimido, sujeito ao poder assassino dos latifundiários e das leis ditadas pelo poder do dinheiro. Hoje, o MST é uma esperança real não só para o Brasil, mas também para o mundo. Para quem não sabe: a organização e o trabalho dos trabalhadores rurais continua distribuindo toneladas e toneladas de alimentos aos desesperados, aos que são marginalizados e perseguidos na própria pátria, sobretudo neste tempo cruel.

    Mulheres, homens e crianças sentirão falta do Júlio, das suas ações e apoios. Em uma das minhas idas a Juiz de Fora fui me encontrar com ele no espaço externo de uma igreja, onde acontecia uma feira dos produtos oriundos da área de ocupação (assentamento Dênis Gonçalves) onde se fazia mais presente, dava cursos e celebrava os bons momentos. Era o meu amigo que articulava com o pessoal do MST essas feiras pelos diversos pontos da cidade e no campus da universidade (UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora). A minha família sempre foi encantada pela dona Lourdinha, sua mãe, e, pelo ser acolhedor que era o Júlio. Quem de nós, que conhecemos e convivemos com tão grande exemplo, não há de se lembrar dele para sempre? Marcelinho, um menino da favela São João Batista, um dia me disse isto: "O seu irmão Júlio é sangue bom, sabia?".

   Abraços e nossos sinceros sentimentos aos familiares do estimado Júlio. Muita força mesmo!

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

ROLINHA NO NINHO

 

Rolinhas namorando (Arquivo JRS)

Ninho no cacho de bananas (Arquivo JRS)

Namoro é assim,

acontece em qualquer lugar; 

paixão é coisa inesperada 

até mesmo com passarinho.


Contemplo rolinhas no meu quintal:

sempre juntinhas, assanhadas...

festejam entre farelos no chão

e ajuntam palhas em ninho.


Sobeja beiral do telhado;

as árvores, acolhedoras como sempre,

oferecem sem reservas seus galhos. 

Porém, sempre há outro caminho.


No cacho de banana ouro

uma se acomodou, está chocando;

olha e nos pede tranquila:

"paciência mais um pouquinho".


domingo, 24 de janeiro de 2021

PESSOAS CARIDOSAS NA NOSSA TERRA

 

O segundo, na Praça Nossa Senhora de Iperoig (Arquivo Edson da Silva)

O primeiro, na Praça da Matriz (Arquivo Ubatuba Histórico)


Idalina Graça, pelo que sei a primeira escritora caiçara de Ubatuba, em seu livro Terra Tamoia, cita várias pessoas que fizeram algo de bom pelo nosso município. Algumas moraram, outras apenas passaram um tempo, mas deixaram, segundo a autora, bons sinais aos caiçaras e visitantes a partir de meados do século XX. Hoje, resgato das suas páginas Victor Meyer Leite.


      Foi em uma tarde de maio, lembro-me bem. Nós já morávamos na Praça Nossa Senhora de Iperoig. Para ali havíamos transferido o nosso meio de vida, com um hotel muito menor que o outro. Porém, o prédio era de nossa propriedade.

      O hotel estava vazio e eu estava ao lado de Albino, já doente por esse tempo; contemplávamos o pôr do sol. De repente, bem em frente ao mar, surge um casal. Firmo o meu olhar no casal e vejo-o dirigir-se para mim. Ele, cinquentão, simpático, bonito mesmo, distinto até nos pequeninos gestos que fazia com a mão a fim de mostrar à jovem esposa o cenário da nossa terra. Ela [Geralda] morena, cabelos pretos, ligeiramente ondulados, muito graciosa, ouvia com maior atenção as suas explicações. O destino fez com que parassem diante da nossa janela. Conversamos, trocamos ideias e ficamos amigos [...] Vim a saber que o nosso novo amigo era descendente de suíços radicados no Brasil, vivendo no interior do Estado, onde seus pais foram abastados fazendeiros [...] Amando Ubatuba como ama, radicou-se aqui, lutando abnegadamente ao lado das irmãs de caridade, em missão da A.L.A, para que a Santa Casa de Misericórdia viesse a ser uma casa de bondade em nossa terra, como realmente está sendo.

     Algumas questões: onde estão os descendentes de Victor Meyer Leite? Será que guardam imagens e escritos do casal que aqui vieram morar no século passado? O que mais eles fizeram pela nossa cidade? Quem, ainda vivo, poderia contribuir com algo a respeito deles?

sábado, 23 de janeiro de 2021

OLHA A PRAGA!

 

      

Use máscara  (Arquivo JRS)

     A coisa tá feia, mulher! Essa tal doença está pelo mundo todo! Já escutei de tudo: que cura com alho, que laranja fortalece o corpo e expulsa o vírus... Cada coisa!  Até arnica fervida com folhas de laranja-cravo escutei o Nicolino recomendando ao Jango, ali na praça da cidade, onde tem sempre gente se tecendo. O pior é que, na prosa, pareciam tão preocupados com essa doença que vem mais pelos ares, mas nenhum dos dois usava máscara na hora. Pois olhe que estive em Caraguá, e, até estátua, ali no centro, estava de máscara! Que coisa, né? Pelo sim pelo não, para se garantir, tenho feito chá. Você tem tomado? O pé de laranja-cravo está desfolhado, parecendo que foi castigado por saúvas do morro. Agora o jeito é começar usar das folhas de outro que tem perto, de laranja-da-china. Mas não era isso que eu ia lhe contar primeiro. O que me assustou agora há pouco, lá na praia, foi a quantia de limo mingau encalhando. Já não bastava a lixarada dessa gente toda? Esta é razão porque faz mais de três dias que não avisto nenhum barco batendo no largo. A pesca de arrasto ficou prejudicada. Sabe que, quando vejo coisa ruim acontecendo de montão, uma atrás da outra, penso nas pragas do Egito, naquelas descritas na Bíblia? Pois é! 

      Na semana passada, olhando o céu antes de ir dormir, avistei uma luz diferente que se foi feito corisco de um canto a outro, num fuziote. Se parecia com uma luzerna de fogo; passou e desapareceu atrás de morro da Mãe Maria. Depois disso, veio aquele tanto de cação cheio de machucaduras caído no tresmalho do Betinho . Não visse? Pois é! Os bitelos, de dois a três quilos, pareciam ter recebido pancadas pelo corpo, com partes esmagadas. Terá sido da luz que avistei? Ou será mais uma praga?

     E o que dizer das manchas escuras que estão encalhando vez ou outra, se encostando nas praias nesta época? Falam que é esgoto vindo de outro lugar, de longe daqui. Pode ser mesmo. Mas nós temos visto que a nossa vizinhança está dando a sua contribuição nisso. Ninguém pode negar.  Ainda mais neste tempo com tanta gente de fora passando férias no litoral. Sabe de uma coisa?  Desconfio que é essa sujeirada que tem causado todas essas pragas. É a gente que causa essa porcariada toda! Acabei de ver o Maneco chegando com uma miuçalhada de peixes. Senti pena. Onde já se viu pescar com malha miúda, não deixar que cresçam os filhotes? 

     Já tomou café, né? Agora, se me dá licença, vou cuidar das nossas plantas no quintal. Ontem já tirei de lá um tantão de manduruvá. Praga é que não falta, meu bem!

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

QUEM SÃO VOCÊS?

Carcarás, lixo, praia e mar (Arquivo JRS)

 
Serra de Ubatuba (Arquivo JRS)

      Lá, de Paraty, cantou o Luís Perequê:


A revista pro turista anuncia a boa vista tão normal/

A lixeira que aqui cheira/

Tudo cheira, cheira mal/

Urubu não voa no cartão-postal/

Que cidade é essa que não é mais a nossa cidade/

Que maldade é essa que ameaça à beça nossa integridade/

Quem são vocês?


     Praias e caminhos estão repletos de lixo. Até a Mata Atlântica, sobretudo nos poucos quilômetros do trecho de serra, na rodovia Oswaldo Cruz, está sendo bombardeada. Basta abaixar o vidro do veículo e lançar fraldas descartáveis, garrafas plásticas, embalagens de salgadinhos, latas de cervejas etc. O mato encobre a maior parte, mas aquilo permanecerá ali por quanto tempo?

     Que absurdo colocar placa "Proibido jogar lixo"!  Tal aviso não deveria existir em nenhum lugar, menos ainda em plena mata nativa, onde nascem rios e tantos animais vivem! Lixo é responsabilidade de quem produziu e de quem consumiu. Há lugares adequados, destinados a ele. Os coletores de lixo trabalham muito, varam madrugadas. Em situação extrema, o responsável pelo próprio lixo deveria levar para a sua casa, embalar e providenciar a destinação mais adequada possível.

   Urubus, carcarás e cachorros disputam as sobras deixadas nas areias, nos jundus, pelas beiras de estradas. É gente, ser racional, que deixa esses tristes e podres rastros. 

     Hoje, em Ubatuba, ainda temos água em condição razoável para beber porque é captada no pé da serra, mas a balneabilidade das praias já é um problema sério. A maioria está contaminada, apresenta fedor na areia. Os rios e córregos recebem esgotos que seguem para o mar. Constitui um ato arriscado se banhar na maior parte das praias. E não é segredo para ninguém que algumas delas já estão condenadas há anos. E o que será disso tudo logo mais, dentro de poucos anos?

          Senhores visitantes (turistas): em suas cidades de origem esses comportamentos se repetem, fazem parte do cotidiano?

       E o que dizer dos moradores que matam a nossa galinha dos ovos de ouro, sendo os primeiros a dar mal exemplo?

           Cabe uma pergunta a essa espécie de gente de comportamento tão infame: quem são vocês que cagam no prato que comem?

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

ILUMINAÇÃO PÚBLICA

Lua crescente (Arquivo JRS)


     A noite escura é impressionante, misteriosa, assustadora... Noite assim é encantadora, apropriada para partilhar causos que arrepiam nossos  corpos. Também é preferida pelos namorados, longe dos olhares alheios.

     Na noite escura se percebe bem os vaga-lumes, aqueles pontinhos luminosos indo e vindo para todo lado. Quando éramos crianças, sempre capturávamos alguns para brincar na escuridão. Na nossa praia demorou para chegar a iluminação elétrica. Lamparinas e lampiões eram os recursos para a serventia da casa quando a noite chegava. Fora dela tudo era escuridão, exceto em tempo de lua cheia. Até lanterna de pilha era privilégio de poucos. Sair de casa, dar uma volta no escuro, constituía um desafio, corria-se o risco de dar topadas, pisar em bosta, escorregar em alguma coisa etc. A vantagem é que tínhamos uma visão mais apurada, capaz de reconhecer obstáculos e sombras. Nossos olhos eram estimulados pela escuridão. Hoje é bem diferente, tem iluminação em nossos lares e nas ruas. Recentemente, por uma semana, a lâmpada do poste que fica bem em frente de casa ficou apagada. Como sentimos falta!

    Em Ubatuba, a iluminação pública, segundo o Seo Filhinho, apareceu em 1881. No centro da cidade, nas principais esquinas, foram distribuídos poucos mais de doze lampiões a querosene. Uma pessoa ficava encarregada de abastecer e de acender tais utensílios assim que escurecia. Suas luzes se esparravam pelas cercanias poucas horas, até alguém apagá-las ou acabar o período da carga de combustível. Progresso, gente! Por volta de cinquenta anos depois chegou a energia elétrica no município.

   Naquele dia (07/09/1881), a Câmara Municipal, satisfeita e agradecida, assim se manifestou;

   Senhores. Completam-sem hoje 59 anos que em Campos do Ipiranga, desta briosa Província de São Paulo, Sua Majestade Imperial, o Sr. D. Pedro I, de saudosa memória, bradou altissonante a independência do Brasil, grito que ecoou desde o Amazonas até o Prata. Esta Câmara sente-se possuída do maior júbilo ao ver reunidos seus munícipes para festejarem tão faustoso dia, que marca a página mais brilhante da nossa história-pátria, sentindo-se ainda mais possuída de mesmo júbilo ao inaugurar hoje a iluminação pública que também marcará uma data solene na história deste Município e aproveita  a ocasião para agradecer a todos os seus munícipes que com tão boa vontade se dignaram concorrer para este melhoramento, que sem dúvida é um avançado passo que o Município adianta ao progresso.


 

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

ALFAIATE POUCO TALENTOSO

Leovigildo e Laurentina (Arquivo nosso)


Com a filha de João,

Antônio ia se casar,

Mas Pedro fugiu com a noiva,

Na hora de ir para o altar.


    Assim é parte da antiga música das festas juninas. Quem não sabe que não é de hoje que sempre tem alguém fugindo de casamento?  Outro Antônio fez o mesmo, quando eu entrava na juventude: não quis saber de presenciar o casamento da filha. Ficou com curiosidade? Quer saber mais? Conto agora, ué!


   Antônio, bom católico, do tipo que animava celebrações na capela da praia, seguiu fielmente a recomendação bíblica, conforme está escrito: "crescei e multiplicai-vos". Assim que se casou veio uma linda menina abrindo a carreira de muitas outras crianças que viriam na força do  peixe com banana verde e farinha.

   A menina cresceu e logo se engraçou pelo primo em segundo grau, que era vizinho mais próximo, morador na beira do rio, depois do bananal. Se encontravam às escondidas pelos caminhos e no jundu. O amor é lindo! Só que nem o pai e menos ainda a mãe, seguindo a moral deles, aprovavam o namoro entre eles. "Mas quem vence um amor praiano?", diria Idalina Graça  O amor e a teimosia da juventude venceram; o casamento foi inevitável.

   No dia do casamento, quase no final da década de 1970, Antônio tomou uma decisão radical: embarcou o restante da família no carro (uma brasília que já nem me lembro de que cor era) e sumiu para não participar e nem ficar perto do evento. Os irmãos dele fizeram duras críticas no dia: "Onde já se viu isso! Que cristão é ele?", "Que papelão! A filha não merecia isso!", "Ele não podia fazer uma coisa dessa!" etc.

   A festa foi linda. Os pais do noivo, gente pobre como todo mundo dali, fizeram de tudo para deixar o espaço do terreiro muito acolhedor; não cabiam em si de contentamento. Toda a parentalha do lugar, só caiçaras naquele tempo, estava presente. Enquanto houve comida, bebida e os tocadores aguentaram, a festa durou. Era só alegria.

   Depois de tantos anos, recordando os rumos daquela gente toda, digo que aquela foi a única oportunidade de Antônio ver uma filha casada  conforme a tradição, pois as demais não lhe deram tal prazer. Os restantes, da imensa  da prole, foram se apaixonando, se ajuntando, se separando, se tornaram pais e mães sem se casar. Que coisa, né? "Destino é alfaiate pouco talentoso", dizia  a nossa tia Iaiá.

   Para onde foi Antônio e a esposa levando a filharada naquele fatídico dia? Se deslocaram para o lado norte, passaram o dia com o compadre Tié, acabei sabendo depois. Que proeza para fugir do casamento da filha!

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

CARLINHO DO GALO

 

Raul na calçada (Arquivo JRS)

      Carlinho do Galo nasceu Carlos Lobato Seixas. Faz muito tempo que mora no nosso bairro, na Rua do Galo. Tempos atrás, passeando sem rumo pela vizinhança, eu o encontrei e começamos uma prosa. Conheci Bartolomeu, seu pai, ainda na adolescência, quando trabalhava em um bar. Ele era recém chegado do sertão da Bahia. Veio, como tantos outros, para se empregar na construção civil. Era pedreiro, gostava de beber umas cachaças. Bastava se embalar um pouco mais da conta para repetir sempre que era primo do Raul Seixas, o músico que fazia bastante sucesso naquela época, Se alegrou muito no dia em que eu lhe disse que tinha conhecido o seu parente na praia da Fortaleza, quando passava uns dias descansando por lá, como hóspede de outro músico, o Gilberto Santamaria. Mas voltemos ao Carlinho do Galo. Como ele ganhou este apelido?

      Foi assim: por volta dos doze anos ele embarcou numa onda de gostar de brigas de galo. Era comum, no tempo dessa moda (que, felizmente, foi-se logo), ver adolescentes e jovens passando regularmente pelas ruas do nosso bairro segurando seus galos e seguindo em direção ao Morro do Bogodão, onde ficava a casa do Nelson. Era em seu terreiro que havia rinha de galos. Uma "arena" foi montada para o embate das pobres criaturas. As pessoas pagavam ingresso para assistirem horríveis espetáculos. Ao final, o montante arrecadado era repartido em três partes: uma ficava com o proprietário do local, outra para o dono do  galo campeão e a terceira acabava partilhada com os demais que levaram suas aves a tomar parte no evento. Era o chamado "prêmio de consolação". O fanatismo era tamanho ao ponto de ter semana com espetáculos todos os sete dias, segundo me contou o Carlinho. "Eu ganhei bastante dinheiro porque a minha vó tinha um galo índio imbatível. Pelo menos uma vez por semana ele ia comigo, me garantia vitória e boa grana. É pena que aquilo só durou meio ano ou pouca coisa mais. A polícia ficou sabendo; levaram o Nelson; ninguém mais teve coragem de promover rinha de galos por aqui. Por isso, desde esse tempo, eu sou o Carlinho do Galo. Moro logo ali com o meu pai que há anos, desde que caiu de um andaime alto, vive acamado. Agora vamos entrar para tomar um café. O velho gosta de receber visitas para poder conversar".

      Foi bom rever o Bartolomeu, mesmo em tão triste situação. Conversamos e rimos bastante. Prometi voltar sempre. Pura coincidência: Carlinho do Galo mora na Rua do Galo.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

ENCANTO DE NINHO

 

Mestre Caetano tirou a máscara (Arquivo JRS)

      Ontem, visitando o Mestre Caetano na roça, me admirei por uma ninhada de sanhaço. 

     - Não acha que os filhotes estão demorando muito para voar?Perguntei. 

       - É mesmo, já era para o ninho estar vazio. Mas senta aí e repara bem. O casal está logo ali, em cima, na folha de bananeira. De lá eles conversam com os filhotes. Repare que eles já não descem com comida, nem tem filhote com boca aberta, dizendo que quer comer. Olha! Um deles, já bem azul, está ensaiando uns passos no sarrafo, se distanciando do ninho. Não parece que está sendo incentivado a abandonar a segurança do lugar e sair? Logo logo ele se arranca voando, procurando o que comer acompanhado pelos pais.

     O ninho em questão estava em um cacho de banana e caiu ao ser cortado. Alguém o pegou com cuidado e colocou em cima do telhado do rancho dos patos. Tudo voltou ao normal na rotina dos passarinhos. Agora, eles voarão. 

    - Hoje mesmo eles deixarão o ninho. Disse o Caetano. Em seguida completou com uma fala que escutei na minha infância, quando comecei a ir à escola: 

    - Ninho de passarinho você pode achar, olhar, mas não ponha a mão senão a cobra, o rato e outros bichos acham e devoram o que tiver lá. Há um encantamento que lhe dá proteção. Quando alguém põe a mão, esse encantamento se acaba. É a proteção da natureza. Se você puser a mão, no outro dia, voltando lá, já não tem mais nada.

     - É mesmo! Papai e mamãe me ensinaram bem cedo que é assim, Caetano. Mas por que esse ficou, eles sobreviveram? Você sabe o porquê?  Fiquei curioso.

     - Eu sei porque eles sobreviveram sim! Os patos, naquela quantidade ali em volta, serviram de proteção. Nenhum bicho passa pela barreira de segurança deles, entendeu, Zé? O que importa (e é o mais importante!) é que eles estão vivos e irão voar neste dia ensolarado. Foi quebrado o encantamento, mas os patos garantiram a vida dos sanhaços. Coisa bonita, né?

domingo, 17 de janeiro de 2021

PERIGO NA PISTA

É melhor ficar na areia (Arquivo JRS) 

     O mano Mingo (barbatuba.blogspot.com), pela poesia,  vai da imprudência aos estragos no coração. Muito cuidado gente, sobretudo em plena temporada de verão!



Motoristas imprudentes,

pedestres distraídos,

alcoólicos no volante,

muita atenção:

as fraturas expostas

deixam à mostra

os estragos no coração.

sábado, 16 de janeiro de 2021

O CAMINHÃO DO BIDUCA

 

Biduca moderníssimo (Arquivo Clayton)

    Biduca, caiçara do Sapê, desde que me lembro sempre trabalhou com viagem e carretos. Hoje ele é o meu homenageado. Qualquer barulho de motor passando, logo se escutava alguém falando: "É o caminhão do Biduca que vem por aí". 
      
   - A mode que o tempo vai clareá e nós vamo podê viajá, né mana? Já separei a vestimenta. Aquela carça branca haverá de ser usada pela primeira vez desde que veio do arfaiate. A artura da barra, acertada pela Odete do Zezinho, tá do jeito, nem encosta no carcanhar. Quando eu tivé lá, junto daquela montoêra de carro, um mais bacana que ôtro, vô pagá para um lambe-lambe fazê uma fotografia caprichada, dessa image de ponhá em quadro, do modo daquela que tem do vovô na nossa sala. Só não sei se arguém ainda é capaz de fazê um mordura daquela, cheia de carocozinho em cada quina e ramage por todo lado.  Desde meninuzinho que sonho em í nessa viage.  Ah! Vamo levá daquele remédio margoso. O Nié contô que foi a livrança na vez que ele andô lá, antes de casá. Aconteceu com ele e com mais gente ainda. É que a nossa barriga, afeita só com o nosso de comê daqui, estranha aquela variedade de lá. Tem de tudo, mas já escutei de muita gente que a melhor coisa é a tar de calabreza na chapa que se come com pão e muita cebola. Hei de prová para mode não morrê aguado. É certo, diz o povo que já foi lá, que cada pensão e quarquer restorante tem uma fartura no cardápio. Não sabeis o que é isso? É uma lista com nomes das comida que ali serve. O Décio, parcêro do Nié na casião, se admira até hoje de tanta comidoria!  Foi dele que eu aprendi este nome bonito: cardápio. Agora pouco tava com ele no Porto da Cruz; acabô de fazê gozação comigo, mandô se precatá contra cacanêra. O Décio, que nem muita gente nossa, não tem jeito, é tiradô de sarro mesmo! Pelo sim pelo não, já pus na mala o vidro como garantia. Deus me livre de virá o avesso de tanto cagá! Também ajeitei na bagage aquela água de chêro comprado treisantonte no João Pimenta. Não paguei ainda; pedi para marcá na caderneta. Na quinzena próxima hei de recebê pelo úrtimo corte de banana e acerto tudo que devo. Vamo viajá, mana! Tomara que na serra não aconteça nada. É costume carro atolá nela, em buraco de lama (que tem de montão!). Quando é assim, tem que arrancá no muque, carçar a roda com pedra e pau e fazê força para empurrá. Fica um chiquêro só, parecendo iguá lugá de cateto chafurdá. Despois tem de se lavá na bica da bêra da estrada, onde até tem casinha para uso da mulherada. Hómi usa o mato, como é costume. Rezo pra que a nossa condução não passe por essa situação.  O Girdo e a Laurentina, que acabaram de se casá, também vão desta vez. Ainda hei de tê um caminhão iguá do Pacheco para podê levá gente em viage mundo afora, se Deus quisé.

  - Se Deus quisé, meu irmão!

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

CADÊ A SENHORINHA?

 

Cadê a senhorinha? (Arquivo JRS)

       Dito Neves era caçador. Raras vezes avistei ele em pescaria, conforme costume de todo mundo naquele tempo. Sua esposa era a Joaninha. Seu filho João era meu companheiro de escola, mas não fazia nenhum esforço para estudar. De vez em quando ganhava reguadas do professor porque se recusava a fazer alguma atividade. Cresceu e foi embora, trabalhar na capital paulista. Pelo que dizem,  anos depois foi assassinado na grande metrópole. João do Dito Neves: um caiçara que nunca mais voltou ao nosso chão.

       No verão, época do caju, eu sempre passava na casa do João. Dois ou três enormes cajueiros faziam a nossa alegria. Tinha do amarelo e do vermelho. Uma delícia! Numa tarde, estando eu por ali, chegou o pai do João, vindo do mato. Trazia um porco grande e outras caças miúdas. Logo rodeamos ele, pois criança é curiosa e não esconde de ninguém. Um bicho pequeno, do tamanho de uma guaitica, se debatia dentro do saco. Ele pegou nas mãos e nos mostrou: "Eu trouxe este bicho para vocês verem. O nome dele é senhorinha. Deve ser parente da gambá. Reparem que ela também tem uma bolsinha, mas é atrofiada. Só não solta cheiro como gambá. É boa de se comer, mas eu não mato. Esta eu peguei sem querer, parecia sonolenta na trilha. É só para vocês conhecerem, pois quase não se vê mais aqui por perto. Amanhã eu devo soltar ela no mato, ali para cima da casa do Zé da Nhãnhã".

      Quase cinquenta anos já se passaram. Nunca mais eu vi senhorinha, uma "cacinha boba" no dizer do finado Dito Neves. Espero que ainda exista desse animal andando pela  nossa Mata Atlântica.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

O EQUILÍBRIO DO MUNDO DEPENDE DE NÓS

Passarinhos no quintal (Arquivo JRS)


  Eu gosto do mato. Os passarinhos mais ainda! Fazem festas ao primeiro sinal do dia clareando, sobretudo quando já encontram alimento pelo quintal. Da varanda fico observando suas cores, seus piados e disputas. O cachorro, agora bem velho, já nem liga mais para eles. 

     Pelos galhos há ninhos diversos: de rolinha, de sabiá, de bico-de-lacre, de bem-te-vi... Sempre preciso adiar alguma poda porque há ovos ou filhotes que estão ocupando ninhos. Uma ou outro arbusto, semeados por eles mesmos, deixei crescer porque são fruteiras vindas da Mata  Atlântica. 

   Muitas mudas nascem no nosso quintal, mas não podem ficar devido ao tamanho (10 m x 10 m). O jeito é colocar em saquinhos ou caixinhas e doar a alguém ou plantar pelos caminhos. Até em outros municípios têm plantas, árvores grandes, originárias do nosso lote, do pedaço que restou após a construção da casa. 

     O chão é fértil porque tudo é enterrado nele (folhas, galhos, restos da cozinha etc.).  Qualquer escavação revela o paraíso das minhocas. Não me faltam mudas para doar. Se cada um fizer a sua parte, podemos reverter um desequilíbrio, evitar catástrofes e doenças.

    De onde surgem as pandemias? De desequilíbrio ecológico! Seres são desalojados de seus ambientes; tudo vira pasto ou monocultura em enormes áreas. Rios e solos são poluídos. Pesticidas chegam pelo ar. Onde irão viver os seres que antes estavam nas florestas, serviam de alimentos aos peixes ou estavam em simbiose com os bichos do mato? A tendência é se alojar em outros lugares, em outros corpos. O que importa é viver.

     Comecei escrevendo este porque imagino meus leitores neste meu perfil. Ao menos os que conheço são assim, pensam e agem em favor da natureza, das belezas que nos circundam. Acredito que você também esteja fazendo a sua parte. Parabéns!

   Agora, se me dá licença, vou espiar um canário-da-terra que saracoteia maviosamente em cima do muro e renova de vez em quando suas ninhadas na enorme palmeira jarobá (da idade do meu filho!), ao abrigo das enormes folhas.

      

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

O DIA D, A HORA H

Rabiscando (Arquivo JRS)

   Há alegria sim! Mas agora impera a angústia misturada com raiva e piedade.


   "Você envelhece, mas continua na mesma ansiedade, homem! É besteira, só faz mal a você essa preocupação com esse vírus que está fazendo sucesso agora. Ah, morreram mais de duzentas mil pessoas no Brasil!? E daí? Tem de se acalmar; é a vontade de Deus. Se Ele falhar, um dia teremos vacina para essa doença também". (Frase da Esquina do Pecado)


    Aos poucos a doença avança, chega no nosso cisqueiro, ganha o terreiro e pode entrar em nossas casas. Ontem recebi notícias de mais três conhecidos que estão doentes, em condições ruins: Pedro Paulo (professor Pepê), Leandro (primo) e Claudinho (do táxi). O excrementíssimo líder brasileiro seguiu as diretrizes do presidente louco dos Estados Unidos. Por isso continua no descaso com as nossas vidas e fez da mentira a sua norma para conduzir a nossa pátria. Resultado: apenas os norte americanos estão na nossa frente em número de mortes. Triste quadro!

    Na atual gestão, Brasília está cheia de militares ocupando os principais quadros da estrutura de governo, doutrinados a morrer pela pátria com armas nas mãos. Ou seja, dispostos a matar também. Fala-se em quase nove mil deles. É isso o que garante uma liderança perversa, que desmerece vidas, comete as piores medidas, mas segue sendo "mito" para uma parcela (ignorante ou maldosa) da população. A tecnologia, esta mesma que me permite escrever meus pensamentos nesta hora do dia, não se cansa de reproduzir mentiras. E as pessoas abraçam elas com toda convicção e repassam para outras tantas. O que resulta disto é pobre levando na cabeça, se sentindo bem porque está com "a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar", conforme a música. 

    "Eis que eu bato à porta" é um lema religioso. Sabe o pássaro sem-fim? Aquele que a gente começa escutar lá longe, mas aos poucos ele vai se aproximando até parar na rama mais próxima? Pois é! Agora a doença está em nossas portas, ganha o mundo caiçara.

    Um general (que não entende nada de medicina) há meses é o Ministro da Saúde. Agora deu esperança: "A vacina será no dia D, na hora H".  Quando é isso? Deve ser uma mentira nova dentro de um calendário inédito. 

    Segue a lógica de morte: quanto mais o povo ficar em casa, com medo, elas não se ajuntam, não se manifestam contra esse governo de morte. Só a manifestação popular pode mudar o triste quadro. Então... vacinar para quê? Pior é ver tanta gente batendo palmas aos seus algozes. 

   O Brasil é uma canoa grande, mas as frestas na madeira pijuca estão merejando, entrando de de tal forma que a cuia não dá conta de esgotar a água dela. O jeito é puxá-la no jundu e convocar mestres canoeiros para um serviço que preste. Alguns ficarão de fora, mas quem se comprometer com a vida há de topar a tarefa. 

    Se houver o dia D e a hora H, eu espero alcançar. E desejo o mesmo aos meus, a você e aos seus. Um abraço.

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

FALA, BIÉ!

Jarobá teimoso na costeira (Arquivo JRS)

     Daniel Bié, de triste sina, se fez mecânico. Entre máquinas e ferramentas diversas maquinava o próprio pensamento. Deduzo que cada prosa, cada leitura e cada vivência foi lhe contribuindo no ser.

     Anos atrás, precisando consertar um pneu de bicicleta, parei na oficina do Bié. Pura besteira ter afobação naquele ambiente, pois a prosa era sagrada. Uma tabuleta ficava dependurada na porta de entrada: "Se tiver pressa não entre". Na ocasião, ele estava sozinho, rabiscava alguma coisa no caderno escurecido pelo manuseio de suas mãos de mecânico. "Triste quem se vê pela opinião alheia, né Zezinho?". E assim teve início a prosa naquela ocasião. "Gente assim não vive. Nunca será livre e nem forte. Que imagem da vida esse tipo de gente enxerga? Que fardo carrega?".

     Continuei prestando atenção no Bié, querendo apreender ao máximo da sua fala. Mas não era fácil! Ele se referia à dificuldade que se tem em ser autêntico e seguir um caminho de retidão. "Pensar é perigoso. Quem me disse isso um dia foi o finado professor Jonas". Neste raciocínio seguia. Quem diria que Bié nasceu no jundu de tantas pitangueiras e abricoeiros, num tempo em que nem rodovia havia para ligar a cidade de Ubatuba com as outras mais próximas? "Quem quer controlar as pessoas, precisa também doutrinar seus pensamentos. Pensar é perigoso e raciocinar bem é avançar com a arma da verdade. O Estado, os governantes e as a maioria das pessoas não aguentam gente assim; tratarão como inimiga, pois não suportam quem quer ser seu juiz. E agora presta atenção: em volta de nós sempre haverá quem quer nos delatar e assim ganhar pontos diante dos poderosos. Trata-se de gente falsa, muito longe de ser ela mesma, que vive em função do alheio".

    Quanto estudou o Bié? O Velho Caetano, companheiro dele há muito tempo, me garantiu que não terminou o quarto ano primário: "Nem diploma tem. O coitado só trabalhou desde o suicídio do pai". 

    Velho Bié de tantos pensamentos! Quem suspeitaria daquela oficina e das reflexões naquele caminho do Morro da Berta? Agora ele também se foi.

 

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

PASSARAM VIDAS... ESCURECEU

Banana nanica (Arquivo JRS)

Avistei no chão, junto ao pé da bananeira:

era uma minhoca se retorcendo toda,

procurando um jeito de entrar na terra.

"É do feitio dela".


Quase ali, da jabuticabeira,

olhares gulosos da mãe sabiá.

Veio a cena seguinte. Diria o Mané Bento:

"Mundo cão, vida cadela".


Aquele ser... a linguagem do corpo.

Aquele olhar... a atitude do ser.

Aquele destino... princípio da vida.

Escureceu. Agora escrevo à luz de vela.


 

domingo, 10 de janeiro de 2021

A GENTE É ORNAMENTO

   
       

Ponta e Saquinho do Zacarias (Arquivo JRS)

   
     Tia Carmelina, nascida na área da Ponta da Fortaleza, onde hoje se conhece como Saquinho do Zacarias, era cheia de bondade, tinha um coração sempre disposto a acolher. Era mais de escutar do que falar; sempre estava cheia de cuidados com as crianças, zelando pela tranquilidade, pela paz. Tinha um dizer: "Quem vive na tranquilidade vive na paz".

     Num entardecer, querendo tomar um café na casa dela, onde sempre tinha leite em pó, fui chegando como quem não quer nada. Ela estava sozinha, disposta a prosear. Depois que perguntou da mamãe, de como estava o pessoal lá em casa, ele desandou a falar:

     "O mundo é o que a gente vê. Cada coisa, cada bicho tem um sentido, uma razão de estar no mundo, mas o mais importante é comum a todos: ser ornamento. Tudo serve para enfeitar o mundo, assim como estes brincos nas minhas orelhas e esta corrente prateada que trago ao pescoço são ornamentos do meu corpo. As pedras, daquela ali no cisqueiro ou a enorme Pedra da Igreja, são ornamentos. As galinhas e patos são ornamentos. A gente é ornamento do mundo.
     Ornar é combinar, deixar mais bonito, enfeitar, deixar harmonioso. Veja no exemplo da casa do vosso tio Maneco Armiro, com aqueles tijolos coloridos na fachada, cada um pintado de uma cor. Não é bonito? Não orna com o dono sempre entusiasmado, pulando para todo quanto é lado?
     Não se esqueça disto: a gente é ornamento do mundo. Deixar ele mais bonito e agradável é o nosso papel enquanto temos vida. Pense nisso, menino".
    
    Há muito tempo a tia Carmelina nos deixou. Mas não é significativa essa fala da titia?

 

 

sábado, 9 de janeiro de 2021

SÓ O AMOR ME ENSINA



Sol acima da ilha do Mar Virado (Arquivo JRS)

      "Dividam-se aqueles que pensam em uma subversão da sociedade naqueles que querem alcançar algo para si mesmos e naqueles que querem alcançar algo para seus filhos e netos. Estes últimos são os mais perigosos; pois têm a crença e a boa consciência do não-egoísmo". (Nietzsche)

      Quanta angústia na vida de artista! "Só o amor me ensina onde vou chegar".     

    A angústia faz parte do processo criativo, da sensibilidade de artista que vislumbra uma coisa, algo a realizar, mas nos entremeios surgem fatores que querem barrar a sua arte, controlá-la ou imprimir outro direcionamento. É quando se depara com dois caminhos: o da elite e o popular.

    O caminho da elite é tentação permanente. O voltado ao popular faz se ajuntar a companheiros e companheiras de andanças, gente que passa por ribanceiras, quase cai pelos penhascos, segue rotas tortuosas e se alegra em festejos perseguindo um ideal. Quem está do outro lado, produzindo para a elite, faz zombarias e tenta atraí-los para si. Quantos talentos se desviam da nossa rota pelas vozes aliciantes do outro lado?

    O que significa a esses andarilhos (que percorrem dois caminhos diferentes) uma instituição de cultura? Não tenho elementos suficientes para argumentar a respeito da cultura favorável à elite, aos interesses de poucos. Só sei que, quem se compõe nas realizações da cultura popular deve se vigiar para não ser arrastado pela correnteza do outro lado. Precisa se cuidar contra um esgotamento prematuro e nunca se desencantar de sua grande tarefa. A solidariedade, então, é a chave principal diante dos obstáculos que irão surgindo, das portas tenebrosas que parecem surgir do nada. A busca do conhecimento, o resgate de nossas raízes e o debate constante nos garantirão, sob salvaguarda de uma organização sólida. É se organizando que a gente ordena a nossa vida e os nossos projetos. 

    Neste tempo, de pessoas precisando se isolar pelo bem supremo que é a vida, o que mais fazer para renovar nossas forças? 


Quem tal a sambista Beth Carvalho fechando agora?


Já me fiz a guerra por não saber (me leva, amor)

Que esta terra encerra meu bem-querer (amor)

E jamais termina meu caminhar (me leva, amor)

Só o amor me ensina onde vou chegar 

(Por onde for, quero ser seu par). 

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

VIRGINHA, A PURA

Padre Anchieta, em Yperoig (Arquivo JRS)  


     Virginha logo se tornou adulta, mas não cresceu muito. Coisas da genética. Antes dos dezoito anos já tinha escolhido um companheiro: rapaz pobre, mas trabalhador. Entendia de mecânica; dava conta dos apertos que a mocinha exigia, mas, segundo ela, era pobre garantido até o fim da vida. Seus passeios se resumiam em dar voltas na feira de artigos diversos e apreciar a paisagem na avenida da praia. Comprar um saco de pipoca ou dividir um lanche no carrinho era o máximo que se permitiam de gasto aos domingos.

     Quando o rapaz não se dispôs a dar um golpe nos irmãos para ficar com a propriedade da mãe, Virginha deu-lhe um chute. Tive pena do coitado. Nunca ele imaginaria a cobiça da amada, conhecida desde quando cursavam o ensino médio, no ano anterior. E assim, até hoje, ele continua honesto naquilo que escolheu como ofício. Antes da pandemia, eu me encontrei com ele na ilha do Prumirim. Estava com outra parceira e parecia feliz. Enquanto ela, pesarosa pelo pecado, escolheu na igreja outro companheiro pouco tempo depois. Dessa vez casou-se de verdade para apagar a culpa do primeiro ajuntamento.

     Tedi, o segundo marido, tocava na igreja. Gente fina. Era de outra cidade. Estava no oposto da branquidão da esposa. Não posso dizer como se sentia a família dela, pois sempre se acharam superiores por serem loiros. E agora? Talvez pensassem que acolher um negro na família angariasse pontos para a salvação, para merecimento do céu. Afinal, era uma caridade da filha extensiva a toda família. Numa conversa, escutei isto do pai dela: "Deus haverá de considerar atitude tão caridosa da minha filha. Agora ela se redimiu do pecado de antes".

     Só que Tedi também não prometia acúmulo de riqueza porque era simples empregado de uma firma terceirizada. Como ficaria a ambição da esposa em ter cartões, carrões, viajar sempre, ter roupas finas, ir à praia etc? Enfim, motivos não faltaram para o casamento durar poucos anos.

     Houve um motivo mais forte: a moça tornou-se empregada numa loja e em poucas semanas estava na função de secretária do patrão, depois do horário regulamentar. Os demais funcionários a chamavam de  A Pura. Ela gostou e até carimbava nas notas de compras o seu apelido. A ambição falou mais alto do que o medo do inferno. Seus modos mudaram, suas vestimentas tornaram-se ousadas. Logo estava dirigindo o carro do patrão e presenteando toda a família. Esqueceu o Tedi depressa porque dinheiro fala mais alto. Os deuses e deusas, imagens e semelhanças nossas, hão de entender esses jogos tentadores. Atualmente o seu amado rico lhe dá um tratamento todo especial. Dias desses ele a elogiou após despachar a minha compra: "Sou mais rico agora com a minha Virginha Pura". 

   É isto: a fila anda!  Coisas da vida, né?