Arte no muro - Arquivo JRS |
A caiçara Antônia - Arquivo Péola, Carol e Turma do Mestre Neco |
Dia claro; estou andando, sentindo a maresia que se alastra embrulhada na cerração jundu acima. Penso na estimada Antônia que partiu desta vida. Sinto a areia, tão grossa como a da sua querida Praia Vermelha. De vez em quando me detenho nas gravuras, rabiscos e tantas imagens que esse bando de artistas vai semeando pelos caminhos. Logo vem ao pensamento o querer adivinhar as razões desses registros: "É estímulo do mar que ronca logo ali. Ou será porque a natureza é bela demais? Pode ter também motivações gastronômicas?". Por fim, sinto que é espírito caiçara gritando dentro das lembranças das pescarias-contemplativas. Irson, cujo rancho era na Barra da Lagoa, disse-me um dia: "Papai, bem cedo, quando chegava de visitar o tresmalho, me encontrava na areia. Eu o ajudava botar a canoa para cima. Mamãe dava a recomendação aos filhos de impedir que ele pusesse o pé na água depois de desembarcar. 'Não deixem nem que a onda alcance o calcanhar dele, senão ele volta para o mar'. E era assim mesmo!". Me admirei porque foi a primeira vez que escutei algo semelhante. E o Irson completou: "E tinha razão a minha querida mãezinha! O meu finado pai gostava tanto do mar que, tenho certeza, ele passava mais tempo embarcado na canoa do que convivendo em nossa casa". Me recordando disso, até os dias de hoje, ao andar pelo lagamar, vislumbro canoas-casas de mais gente que conheci. O Grande Mar se sentia mais feliz por tamanha devoção.
Agora partiu a nossa querida Antônia, a "Macuca", uma brava mulher caiçara. Ainda bem que a última lembrança que eu guardo dela é daquele fandango no Prumirim e de uma prosa durante um café com tanta gente boa dali! Dela escutei a "história da canoa que morreu trabalhando". Como assim, Antônia? "Ah, faz tempo! Eu era pequenininha. Foi assim: o padrinho, por consideração né, pescador como todo mundo daquele tempo, tinha uma canoa de capurubu muito velha, mas muito boa. Ardentia era o nome dela. Aquela canoa era a sua vida, era a sua paixão. Aturou muito tempo a canoa dele, estava no fim da vida, toda pijuca, mas ele não se separava dela. Agora vem a tristeza: uma ocasião, chegando no quebra-mar, enquanto espera um jazigo de onda, ele sentiu um afundamento sob os pés ao mesmo tempo que dava força no remo para encalhar na areia. Nem deu tempo de chegar lá porque a canoa afundou devido ao esfarelamento do fundo. Sorte que havia gente no jundu para ajudar ele. Recolheram o que puderam, puxaram a canoa até o rancho. No mesmo dia, o coitado do meu padrinho carregou a canoa até o seu terreiro e a transformou num lindo canteiro de mariquinhas-da-serra. Desde o dia do infortúnio no quebra mar, ele entrou em depressão, repetia que a sua companheira Ardentia, seus pés em cima do mar, morrera trabalhando. Em pouco tempo ele se foi também. Imaginem o quanto ele tinha se afeiçoado àquela que tantos peixes carregou e garantiu o seu sustento. Ainda hoje eu sinto muita a falta dele, do meu padrinho".
Agora é serão. Vá, Antônia! Nos deixe a sua benção e vá se encontrar com o seu querido padrinho de consideração e tanta gente nossa que partiu!
Em tempo: acesse para continuar aprendendo com Mestre Neco
https://www.youtube.com/watch?v=HjAAiLFP8pQ&ab_channel=CanoasFandangueiras
Bom Seminino José Ronaldo!
ResponderExcluirQue maravilha de texto que me fez os olhos marear.
Arrela!
Gratidão, minha gente e gente minha!
ResponderExcluirLindo texto, Zé. Pura poesia!
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