domingo, 26 de setembro de 2021

A COMPANHEIRA QUE SEGUE

 

Dona Gertrudes - Arquivo JRS


Armazém do Maciel - Arquivo Tia Helô

       Dizia a professora Heloísa, a Tia Helô, que, entre 1948 e 1950, ela passou por diversas escolas em Ubatuba. Uma delas foi na Enseada. Saía na segunda-feira, ainda de madrugada, caminhando do centro da cidade, onde morava, até a referida praia distante dez quilômetros. Lá era acolhida durante o restante da semana na moradia do Francisco Maciel, o maior comerciante da região. Desse tempo, lá se vão setenta anos, vem a amizade com entre ela e a Dona Gertrudes, agora centenária e vizinha da mana Ana, na rua Ponciano Eugênio Duarte. Ela é a companheira que segue. Em seu livro A saga de uma caipira em terra caiçara de Anchieta, Tia Helô conta dessa intensa experiência de ser professora entre caiçaras daquele tempo, quando nem estradas havia para as praias do Norte e do Sul do município. A única via para circulação de veículos era a ligação Ubatuba-Taubaté, do começo da década de 1930, por onde ela veio conviver com o mar e o povo caiçara.

      Eu morava na casa do Chico Maciel: comida farta feita pela Dona Luzia. Ela era mestra da cozinha e sabia tudo de culinária.  Acordava-se cedo com o cheiro da ova assada na brasa do grande fogão a lenha. Gertrudes, sua auxiliar, era muito querida, além de contadora de "casos", como todo bom caiçara, adorava caçoar de todo mundo, sempre muito alegre, contava piadas e falava muito bem.

     Sinto até hoje o bom cheiro de comida que impregnava a casa toda. E também o aconchego daquela gente que nos recebia como seus verdadeiros filhos.

       Na escola, uma casinha bem na beira da maré, umas vinte crianças, em três fileira de carteiras: primeiro, segundo e terceiro ano do curso primário. Era difícil trabalhar assim, mas eu aprendi a lidar com as dificuldades. Dividia as lições, algumas escritas nas duas pequenas lousas de um metro de comprimento, outras lições já escritas nos cadernos dos alunos, que preparava no dia anterior, na parte da tarde, hora da minha folga. A dedicação era tanta que os resultados apareciam no fim do ano.

     À noite, o dono da casa acendia os compridos lampiões de querosene, iluminando a grande roda de conversa que se formava ao redor da mesa, onde se armava uma jogatina de bingo e baralho até meia noite. Os mais dorminhocos recolhiam-se às nove horas. Outros como eu e alguns turistas, ficávamos jogando baralho e também jogando conversa fora. Uma delícia! Morei um ano na casa do Maciel e da Dona Luzia. Lembro-me do nascimento da filha menor deles, a Ivete Maciel.

     

Nenhum comentário:

Postar um comentário