É proseando que se acerta (Arte: Estevan) |
Dias atrás, escutando a fala do yanomami Davi Kopenawa, me senti estranho porque não entendia nada de nada que era falado. Sorte que, em seguida, ela foi repetida em língua portuguesa, na linguagem nossa. O assunto era sobre a floresta, o território deles que está correndo riscos por conta da cobiça. Já são, aproximadamente, 50 mil garimpeiros invasores levando doenças, poluindo os rios com mercúrio, tomando os recursos tão necessários às comunidade originárias daquela região, de Roraima.
A fala de Davi, um dos parceiros de Ailton Krenak, ambos muito atuantes na defesa de seus povos durante os trabalhos que resultaram na Constituição Brasileira de 1988, me remeteu aos caiçaras antigos com suas especificidades, sobretudo a fala. A seguir, um exemplo em família, do tio Antônio Félix:
- Conceição, visse a serenga, aquela miúda que usamo tresantontem? Careço dela agora pra raspá taquara e limpá a timbopeva. Também mandais o Lizeu na posse do tio Quito, no artinho, na Pedra da Janta. Tem lá um amontoado de esteio de candeia, bem seco, que ainda há de tê serventia no cupiá pra perna do fogão e no jurau de panela. Se ele truxé um por ida, chegando o armoço tá pronta a tarefa. Adespois, na parte da tarde, vem tormenta de deitá bananá, capaiz de encharcá aquela pauzêra. Daí empata tudo. Hoje não posso me aluí daqui enquanto não deixá este tipiti arrematado. Me faiz favô de arcançá aquela embira na travessa, enleiada ali. Agora apinche banana pra essa marreca que tá demasiada arvoroçada. Lhei, lhei, lhei... Não é o Pedro Baitaca assubino ali, pulando o cavocado?
O Diegues, estudioso da Universidade de São Paulo, escreveu o seguinte para despertar o nosso interesse às culturas brasileiras não-indígenas, sobretudo aos caiçaras:
Os caiçaras, assim como outras culturas (caipiras, jangadeiros, ribeirinhos etc.), se constituíram no período colonial, nos interstícios da monocultura e de outros ciclos econômicos. Com o isolamento geográfico relativo, essas populações desenvolveram modos de vida particulares que envolvem uma grande dependência dos ciclos biológicos, um conhecimento profundo e dos recursos naturais, tecnologias patrimoniais, simbologias, mitos e até uma linguagem específica, com sotaques e inúmeras palavras de origem indígena e negra.
Você entendeu tudo da fala dirigida à tia Conceição?
Parabéns ao Estevan pela bela ilustração! Vai longe!
ResponderExcluirGratidão, Jorge. De fato, ele sempre nos surpreende. Forte abraço a você e aos seus.
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