quinta-feira, 13 de maio de 2021

ANJO RESGATADO

 


Dona Idalina,a escritora caiçara  de antigamente (Arquivo Ubatuba)


     Nosso primo Durvalino tremia de medo ao ouvir a palavra guerra. O motivo? Porque nasceu em plena “Revolução de 30”, quando o governo paulista enfrentava as forças federais. Na verdade, foi um movimento da elite de três estados (MT, RS e SP), em 1932, contra o governo de Getúlio Vargas. A caiçarada mais velha falava que foi preciso fugir, se esconder nas matas, pelas tocas de pedras por medo da violência da guerra. Hoje vou contar a tragédia de uma mulher especial, quando Idalina Graça perdeu a sua única herdeira. Ela deixou dois livros que eu gosto muito, pois falam de outra época, recordam coisas que eu vi ou ouvi em prosas com a minha gente. A parte de hoje é triste. Escolhi porque é decorrência da violência, das armas que defendem os interesses de poucos, dos privilegiados da sociedade.

 

    Minha garotinha veio ao mundo a 20 de junho de 1932. Era uma manhã maravilhosa. E quando a Gil, introduzida no quarto pela sua mãe, aproximou-se do leito e contemplou o entezinho que viera do céu como um presente divino, comovida disse:

     - Nossa Senhora escutou meu pedido, não foi, dona Idalina?

    - Sim, querida! Você vai ser a madrinha! E chamando para meus braços a mais querida amiguinha da minha mocidade, apertei-a chorando de alegria.

   Maria Terezinha tornou-se rainha do nosso lar. Pouco depois de seu nascimento estávamos, porém, em plena Revolução Constitucionalista e isso me preocupava pois, na Enseada, não se encontrava alimentação apropriada para o bebê, em substituição à falta de leite materno. As mulheres que podiam amamentar a minha filhinha haviam fugido para o mato, com medo dos legalistas. Não podíamos fugir. Assim, assisti, aterrorizada, ao lento definhar do meu anjinho, e, quando me foi permitido procurar recursos, já era tarde! Em certa manhã chuvosa, a 20 de dezembro daquele mesmo ano, o Senhor, Luz Imortal da Verdade, achou que devia reaver o anjo! Vi meu marido alucinado, não querendo deixar partir o caixãozinho branco, carregado pelas meninas da vizinhança. Lembro que não chorei, mas senti que uma parte de mim mesma, a melhor de todas, se fora para sempre. Quedei-me vazia e nula! Gil não me abandonou. Mais tarde, Albino contou-me que a minha amiguinha, sem perguntar coisa alguma a ele, juntou toda a roupinha da afilhada e, chorando, abraçada a elas, levou-as para guarda-las em sua casa, com o fito de me poupar maiores sofrimentos.

       


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