Privilégio de escutar umas modas (Arquivo JRS) |
Dito.Mocinha e eu (Foto: Paulo Zumbi) |
Era o começo da década de 1990
quando fui fazer uma trilha com o saudoso Dito Fernandes, no sertão do Puruba.
Dia bonito de quase inverno, época dessas. Cheguei preparado, tomei um café com
ele e Mocinha, sua esposa. Tinha biju fresquinho, estalando. Não demorou nada
para sairmos pelo caminho da roça. O Dito, atravessando uma espingarda às
costas, chamou do terreiro dois cachorros: “Quércia,
Maluf”. Nem precisa dizer que eles já correram na nossa frente porque eram
acostumados com o ritual. Achei engraçado, ri bastante. “Quem pôs esses nomes nos coitados?” (Para quem é mais novo, esclareço:
trata-se de políticos de São Paulo, poderosos naquele tempo). “Eu mesmo! É isso que essa gente merece:
servir para nomear cachorro. Não é só cachorrada que eles fazem?”. Não
tinha como discordar de tanta precisão na explicação do dono deles. Nunca
imaginaria os dois políticos importantes nomeando cachorros no sertão do
Puruba!
Seguindo o caminho, passando por
um roçado aqui e ali, avistei um espantalho bem caprichado, em verde e amarelo, segurando um caco
grande de prato em uma das mãos; na outra tinha um galho ainda com folhas
grudadas, como se vivesse enxotando os passarinhos. Ao perceber a minha parada
querendo ver melhor, o Dito falou: “Aquele
é o Seo Brasil. Não está muito bonito, mas continua se defendendo porque ainda
tem muitas riquezas, pode alimentar o mundo de tudo quanto é coisa. Ficou bom,
né? É arte da mulher com as crianças; elas fizeram e eu dei o nome”. Achei
o máximo: “Bárbaro, Dito! Outro dia eu
volto para fotografar o Seo Brasil! Melhor: irei convidar Miguel, o uruguaio, para essa tarefa. Ele vai gostar também!”. E
assim se foi uma manhã caminhando serra acima, coletando coco pati, iscando
cachorro atrás de caça. (Só uma cotia eles farejaram, mas ela foi mais esperta
e atravessou o rio logo. Felizmente). Uma manhã de muito aprendizado com o Dito!
Conforme o combinado, uma semana
depois eu levei o Miguel Angel, um fotógrafo dos nossos. Ele adorou tudo
aquilo, a começar pela recepção que teve. Registrou o Seo Brasil e tantas
outras coisas dignas de seu olhar apurado. O tempo passou. Por volta de 2002,
quando acontecia uns saraus aos domingos no Bambu
de vez, do Bado Todão, a nossa tarde se passava ali, em família, no Pirão
Geral. Onde era isso? Ali, atrás da Cadeia Velha! Almoçávamos um pirão caprichado
pela mãe do Bado, tomávamos um café de cana... E aproveitávamos as
apresentações dos artistas da terra. Numa dessas tardes, o Miguel, na praça
Nóbrega, quase ali mesmo, fez uma grande exposição dos seus trabalhos,
sobretudo com as imagens do Fórum Social, ocorrido em Porto Alegre (RS). Foi
quando me deparei com o Seo Brasil. Que lindo! “Grande, Miguel! Dez anos depois, né? Quanta honra em ver seus trabalhos hoje! Que bom que
você topou ir até o sertão comigo naquela vez! Com certeza hoje não tem nem
sombra do Seo Brasil, mas a sua foto tá aí. Até a lembrança dela vai me fazer
contar a história dela, vivida um dia no sertão do Puruba, com o Dito
Fernandes. Valeu, Miguel!”.
Esta foi mais uma oportunidade de contar daquele lugar, daquelas pessoas,
do Seo Brasil. Tendo agora de escutar o presidente dizendo que armas é a solução para o Brasil ser democrático, grifo: o Seo Brasil tinha um caco de prato como escudo e um galho de árvore como arma. Nem dei dizer se algum dos filhos do saudoso Dito Fernandes herdou a sua
noção de política. Quem sabe?!
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