sexta-feira, 8 de maio de 2020

O CIRCO DO PITOMBA




                Certamente quem está lendo agora já sabe o que é morar em bairro popular, onde as crianças empinam pipas, jogam bola, sentam nas calçadas para prosear, namorar etc. Tem ainda  carros com auto falantes anunciando seus produtos, vendedores que vão de porta em porta, missionários “puxando a brasa para a sua sardinha” etc. Agora, me lembrei-me de algo quase irresistível: carros cheios de pintinhos de granja trocando por ferro velho e garrafas de vidro. Nós, mesmo tendo galinhas pelo cisqueiro com seus pintinhos pra lá e pra cá, sempre dávamos um jeito para adquirir aquelas coisas fofinhas. E dava trabalho! (Tinha de colocar entre panos numa caixa de papelão e arranjar um lugar quente para que sobrevivessem). Mas... a coisa mais diferente foi na minha meninice, na praia do Perequê-mirim: um belo dia, durante todo o período, um homem passou anunciando o Circo do Pitomba. Dizia que, naquela semana, estaria montado no canto direito da praia, com “apresentações às oito da noite. Não percam o Circo do Pitomba!”. Era outro Pitomba! Não era o Seo Miguel, o “Pitomba” que passou vários anos entre nós e trabalhava no depósito do grego.

                Nós, crianças curiosas, não nos contínhamos à espera da noite. Papai e mamãe, com uns trocados em mãos, nos levaram. A noite acabara de chegar, estava muito bonita. Acima da boca da barra, num peito de areia que nos cansava, estava montado o Circo do Pitomba. Você imaginou um circo portentoso, colorido, cheio de cartazes e bandeirolas?  Passou longe! O Circo do Pitomba era o circo mais pobre do mundo! Uma lona branca, com remendos em cima de remendos, pequeníssima, mal cabendo três famílias do tamanho da nossa, sem nenhum assento que não fosse a areia fofa... Era tudo! Na entrada estava o Pitomba, já paramentado de artista. Vi quando papai lhe deu uns trocados. Logo começou o espetáculo com o Pitomba. Ele era tudo! Creio que nunca mais verei um circo de uma só pessoa fazendo tudo. (Até pipoca tinha!). Era ele sozinho naquilo tudo! Pobre de tudo! “É bem pobre ele, né mãe?”. No início contou parte da sua história, causando risos a todo momento. Depois veio outros encantamentos, mas o que mais me marcou foi ele, segurando duas tochas, cuspir para cima e o ar se incendiar. “Noooossa! Coitada da lona!”. Ao final, o Pitomba, que devia ser mais jovem que o meu pai, deixou uma mensagem de paz e de inconformidade com a situação em que o país vivia. Foi empolgante escutá-lo, parecia estar num ponto mais alto do morro, onde se enxergava tudo. Era o fim do espetáculo. “Agora, chegando em casa, vocês lavem os pés e vão pra cama porque amanhã é dia de aula. Só estudando a gente entende melhor as coisas e pode tomar as melhores decisões, escolher os melhores caminhos. Obrigado e boa noite! Amanhã tem mais, respeitável público”. E, na ocasião,  em coro respondemos: “Boa noite, Pitomba!”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário