Certamente quem está lendo agora
já sabe o que é morar em bairro popular, onde as crianças empinam pipas, jogam
bola, sentam nas calçadas para prosear, namorar etc. Tem ainda carros com auto falantes anunciando seus
produtos, vendedores que vão de porta em porta, missionários “puxando a brasa
para a sua sardinha” etc. Agora, me lembrei-me de algo quase irresistível:
carros cheios de pintinhos de granja trocando por ferro velho e garrafas de
vidro. Nós, mesmo tendo galinhas pelo cisqueiro com seus pintinhos pra lá e pra
cá, sempre dávamos um jeito para adquirir aquelas coisas fofinhas. E dava
trabalho! (Tinha de colocar entre panos numa caixa de papelão e arranjar um
lugar quente para que sobrevivessem). Mas... a coisa mais diferente foi na
minha meninice, na praia do Perequê-mirim: um belo dia, durante todo o período,
um homem passou anunciando o Circo do Pitomba. Dizia que, naquela semana,
estaria montado no canto direito da praia, com “apresentações às oito da noite. Não percam o Circo do Pitomba!”. Era
outro Pitomba! Não era o Seo Miguel, o “Pitomba” que passou vários anos entre
nós e trabalhava no depósito do grego.
Nós, crianças curiosas, não nos
contínhamos à espera da noite. Papai e mamãe, com uns trocados em mãos, nos
levaram. A noite acabara de chegar, estava muito bonita. Acima da boca da
barra, num peito de areia que nos cansava, estava montado o Circo do Pitomba.
Você imaginou um circo portentoso, colorido, cheio de cartazes e bandeirolas? Passou longe! O Circo do Pitomba era o circo
mais pobre do mundo! Uma lona branca, com remendos em cima de remendos,
pequeníssima, mal cabendo três famílias do tamanho da nossa, sem nenhum assento
que não fosse a areia fofa... Era tudo! Na entrada estava o Pitomba, já
paramentado de artista. Vi quando papai lhe deu uns trocados. Logo começou o
espetáculo com o Pitomba. Ele era tudo! Creio que nunca mais verei um circo de
uma só pessoa fazendo tudo. (Até pipoca tinha!). Era ele sozinho naquilo tudo! Pobre
de tudo! “É bem pobre ele, né
mãe?”. No início contou parte da sua história, causando risos a todo
momento. Depois veio outros encantamentos, mas o que mais me marcou foi ele, segurando
duas tochas, cuspir para cima e o ar se incendiar. “Noooossa! Coitada da lona!”. Ao final, o Pitomba, que devia ser mais jovem que o meu
pai, deixou uma mensagem de paz e de inconformidade com a situação em que o país
vivia. Foi empolgante escutá-lo, parecia estar num ponto mais alto do morro, onde se enxergava tudo. Era o fim do espetáculo. “Agora,
chegando em casa, vocês lavem os pés e vão pra cama porque amanhã é dia de
aula. Só estudando a gente entende melhor as coisas e pode tomar as melhores decisões, escolher os melhores caminhos. Obrigado e boa noite! Amanhã tem mais, respeitável público”. E, na
ocasião, em coro respondemos: “Boa noite, Pitomba!”.
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