Sem título - Arte: Estevan |
De vez em quando eu costumava pescar
com meus avós. Vovô Armiro era mais comedido, sem muita paciência, mas de bastante concentração quando estava numa canoa, tentando sentir algum cardume ou
peixe passeando sozinho, “peixe sorteiro”
conforme dizia. Era homem forte, dando a impressão que precisava quase nada
das minhas remadas. Por isso eu me sentia mais liberado para olhar tudo que me
despertasse a curiosidade, me limitando a poucas perguntas. “Não fale muito, Zezinho, senão espanta os
peixes”. O outro, vovô Estevan, magrelo inquieto, parecia sempre contente em ter
companhia para conversar, mesmo quando a pescaria estava parada, sem nenhuma
puxada de linha. Nesses momentos, ele, para dar a impressão que as coisas não
estavam tão ruins assim, dava até uns arrancos na linha, fingindo ter
sentido um puxão. E dizia: “É comidio. Já papou a isca e saiu contente, quase se
afogando de tanto se rir”. E dava a
sua risada única, discreta como só ele tinha.
Sentia dó quando eu não conseguia ferrar nada enquanto ele não parava de
puxar peixe e arriar no balaio, no fundo da canoa. “Deixa chegar no fundo, depois puxa uma braça e espera”, ou, “O cardume tá em meia água. Não afunda muito
a linhada”. Por isso é eu gostava de pescar mais com o vovô Estevan, pai do
meu pai.
Numa ocasião, logo depois do
almoço, ele me chamou: “Zezinho, vamos
até a Ponta do Flamengo; o pessoal tá se abarrotando de tortinha lá”. E
tava mesmo! Assim que que chegamos no local, o balaio estava pela metade! De
repente, o vovô levanta o nariz e exclama: “Nossa
mãe! Vem vento aí!”. E não demorou quase nada para chegarem as
rajadas, deitando sapê no morro. Quase nem consegui levantar a poita. No desespero, ele dizia: “Corta a corda, corta a corda”. Eu teimei
com todas as forças de menino. Num suspiro embarquei a pedra, a nossa âncora. O
vento nos tocava para fora, em direção ao Boqueirão. Vovô só segurava o remo na
água, querendo conduzir a canoa para algum lugar entre a Laje Grande e a Ponta
da Santa Rita, talvez na Bela Vista, onde, no passado, tantos corpos encalharam
por ocasião do naufrágio do Príncipe das
Astúrias. (Como eu tinha medo das histórias de assombração daquele lugar!”.
E, falando quase nada, parecendo apenas rezar enquanto segurava bem o remo na
posição calculada, ele conseguiu. A gente sentia as rajadas chicoteando as
árvores do morro, até desprendendo touceiras de caraguatás e jogando no mar.
Assim que a canoa se aproximava da Pedra do Gudião, ele deu a ordem: “Apoita logo! Apoita ali, menino!”. Eu
prontamente lancei o peso na água. “E agora,
vovô?”. Estava ainda longe de
escurecer, mas eu nem queria imaginar ter de passar pela Bela Vista, no
terreiro da casa mal-assombrada. “Agora
nós vamos esperar este sudeste passar. Não há de demorar. Enquanto isso, ainda
tem isca para encher o balaio por aqui. Arriemos as linhas, ué!”. De fato, ficamos menos de uma hora apoitados
ali e pescamos mais algumas garoupas, gudiões e baiacus. Poucas vezes passei por outra experiência semelhante. Tempo bom! Como
aprendi! Desconfio que aprender é o maior prazer da vida.
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