quinta-feira, 7 de maio de 2020

APOITA ALI, MENINO!

Sem título - Arte: Estevan


                De vez em quando eu costumava pescar com meus avós. Vovô Armiro era mais comedido, sem muita paciência, mas de bastante concentração quando estava numa canoa, tentando sentir algum cardume ou peixe passeando sozinho, “peixe sorteiro” conforme dizia. Era homem forte, dando a impressão que precisava quase nada das minhas remadas. Por isso eu me sentia mais liberado para olhar tudo que me despertasse a curiosidade, me limitando a poucas perguntas. “Não fale muito, Zezinho, senão espanta os peixes”. O outro, vovô Estevan, magrelo inquieto, parecia sempre contente em ter companhia para conversar, mesmo quando a pescaria estava parada, sem nenhuma puxada de linha. Nesses momentos, ele, para dar a impressão que as coisas não estavam tão ruins assim,  dava  até uns arrancos na linha, fingindo ter sentido um puxão. E  dizia: “É comidio.  Já papou a isca e saiu contente, quase se afogando de tanto se rir”.  E dava a sua risada única, discreta como só ele tinha. Sentia dó quando eu não conseguia ferrar nada enquanto ele não parava de puxar peixe e arriar no balaio, no fundo da canoa. “Deixa chegar no fundo, depois puxa uma braça e espera”, ou, “O cardume tá em meia água. Não afunda muito a linhada”. Por isso é eu gostava de pescar mais com o vovô Estevan, pai do meu pai.  

     Numa ocasião, logo depois do almoço, ele me chamou: “Zezinho, vamos até a Ponta do Flamengo; o pessoal tá se abarrotando de tortinha lá”. E tava mesmo! Assim que que chegamos no local, o balaio estava pela metade! De repente, o vovô levanta o nariz e exclama: “Nossa mãe! Vem vento aí!”. E não demorou quase nada para chegarem as rajadas, deitando sapê no morro. Quase nem consegui levantar a poita. No desespero, ele dizia: “Corta a corda, corta a corda”. Eu teimei com todas as forças de menino. Num suspiro embarquei a pedra, a nossa âncora. O vento nos tocava para fora, em direção ao Boqueirão. Vovô só segurava o remo na água, querendo conduzir a canoa para algum lugar entre a Laje Grande e a Ponta da Santa Rita, talvez na Bela Vista, onde, no passado, tantos corpos encalharam por ocasião do naufrágio do Príncipe das Astúrias. (Como eu tinha medo das histórias de assombração daquele lugar!”. E, falando quase nada, parecendo apenas rezar enquanto segurava bem o remo na posição calculada, ele conseguiu. A gente sentia as rajadas chicoteando as árvores do morro, até desprendendo touceiras de caraguatás e jogando no mar. Assim que a canoa se aproximava da Pedra do Gudião, ele deu a ordem: “Apoita logo! Apoita ali, menino!”. Eu prontamente lancei o peso na água. “E agora, vovô?”.  Estava ainda longe de escurecer, mas eu nem queria imaginar ter de passar pela Bela Vista, no terreiro da casa mal-assombrada. “Agora nós vamos esperar este sudeste passar. Não há de demorar. Enquanto isso, ainda tem isca para encher o balaio por aqui. Arriemos as linhas, ué!”.  De fato, ficamos menos de uma hora apoitados ali e pescamos mais algumas garoupas, gudiões e baiacus. Poucas vezes passei por outra experiência semelhante. Tempo bom! Como aprendi! Desconfio que aprender é o maior prazer da vida.

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