Canta, meu sabiá! (Arquivo JRS) |
Seo Miguel, pião de trecho,
ficou alguns anos parado no Perequê-mirim porque conseguiu emprego fichado no “Depósito
dos Gregos”. Na verdade, era Depósito de Materiais Itajá. Pertencia ao caiçara Valentim
de Jesus, o “Xarazinho”, mas os gregos Mihalopoulos, que eram proprietários da
Casa Macedônia no centro da cidade, o adquiriram.
E por muitos anos eles imperaram na demanda da região sul, pois demorou para
surgir competidores. Mas... voltando ao nosso personagem, ele se dizia
pernambucano, era mais velho que o meu pai, mas se davam muito bem, estavam
sempre marcando pescaria e participando do grupo do Sapato Branco, onde música, comida e bebida eram fartas no barraco. Na real, o Seo Miguel era mais conhecido como
Pitomba porque esta palavra, que designa uma fruta nordestina, era comum na sua
fala, quase sempre sob a forma de exclamação. Em vez de dizer “Que coisa!”, ele dizia: “Que
pitomba!”. Também a usava como se esquecesse de outras palavras. Exemplo:
ao chegar no bar onde eu trabalhava, ele pedia: “Dá uma pitomba da boa, daquela que tem um camarão pintado”. Eu já
sabia que era pinga Pitu. Ou... “Me vê
uma pitomba daquele ali, mas sem filtro”. Eu já sabia que era referência
aos cigarros Continental sem filtro. “Quanto custou tudo, Zezinho?”. Ao escutar o total, o preço, lá vinha a
expressão: "Que pitomba! Acho que não
tenho todo esse dinheiro! Se precisar, você marca aí? No sábado o grego solta o
vale da quinzena e eu acerto tudo, pode deixar”.
Eu
trabalhei nesse bar dos treze aos dezoito anos, nele passei a minha
adolescência, né? Escutei muitas histórias, sobretudo dos chamados “pião de
trecho”, migrantes seminômades que "vieram fazer São Paulo", como era comum escutar deles. Quantas histórias!!! Foi com elas que aprendi tanto
a respeito das comunidades dessa gente de outros lugares, das injustiças mundo afora. Geralmente eram narrativas tristes, mas
saudosas de seus lugares, de seus parentes distantes. Uma frase, dita pelo Seo
Miguel, o Pitomba, depois de contar alguns episódios da sua epopeia: “É assim, Zezinho: a gente, nesta vida, mais
roda do que vive. Esta é a verdade. Que pitomba, né?”.
Meu filho, minha filha: vocês que agora rodam por outras terras, aproveitem para conhecer as riquezas deste nosso país! Muita gente boa caminha com a gente, é o nosso povo!
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