quarta-feira, 20 de maio de 2020

O LOBO COME TUDO

Ponte no Massaguaçu (Arquivo JRS)


              O Brazil não conhece o Brasil/ O Brasil nunca foi ao          Brazil...
                Entre   uô, uô, uô.... Jobim açu, alaúde... ataúde....
                O Brazil não merece o Brasil/ O Brazil tá matando o Brasil...
                Entre    saci, Guimarães, sarará...
                Do Brasil, SOS ao Brasil/ Do Brasil, SOS ao Brasil/ Do Brasil, SOS ao Brasil/.
                Entre    tinhorão, Ipanema, olará....
                Do Brasil, SOS ao Brasil/ Do Brasil, SOS ao Brasil
                Uô, uô, uô

            Dias atrás morreu mais um fabuloso compositor brasileiro: Aldir Blanc. Dias atrás também foi morto pela polícia, sob estranhas condições, um menino no Rio de Janeiro. Mais um!!! Pensa que vai parar logo isso?!? Quem dera!!! E o que tem isso comigo, com a nossa cultura? Tudo! Talento brasileiro, instituição brasileira, gente brasileira! Sim, um menino negro! Herdeiro de um passado a chicotadas, filho de um presente que persegue os mais pobres, as minorias... Qual futuro queremos?

                Na última eleição geral, o resultado final mostrou a cara do grande contingente de brasileiros que idolatram o fascismo, o ódio. Pior: quase todos pobres, contra eles mesmos! Quantos fatores estão envolvidos nos resultados do ódio que venceu o amor? Muitos! Religião elitista, alienada, educação precária, crença em falsos líderes, propaganda massiva contra os valores comunitários, incentivo ao consumismo, o lucro acima de tudo etc. Na praia do Perequê-mirim, numa distância pequena de nós, ficava a casa do “Doutor John e da Dona Tatinha”. Mais tarde soube que eram professores da USP. O carioca Celino era o caseiro deles.

                Celino, como já falei em outras ocasiões, era subversivo. “Qualquer dia ele vai se dar mal”, dizia o meu pai. Eu, sempre tentado a escutar os assuntos dos mais velhos, numa oportunidade parei perto dos dois (Celino e Dr. John) que conversavam. Fingindo estar pegando flores vermelhas da cerca para chupar o docinho delas (aprendi com os beija-flores, ué!), fui prestando atenção. A prosa, notei facilmente, era sobre a política. O doutor podia saber muito, mas o Celino era mais vivido: “Doutor, é lobo comendo a vovó! Depois, logo em seguida, ele engole também a menina! Os interesses dos militares que agora mandam é entregar nossas riquezas para os Estados Unidos. O senhor escutou a música, agora, do  Aldir e Tapajós? Ele diz que o Brazil (com Z) não conhece o Brasil, que não merece o Brasil, que tá matando o Brasil. E denuncia, com o seu uô, uô, uô, a ação das Forças Armadas e da polícia que se presta a esse papel de perseguir todos aqueles que não concordam em entregar o nosso país para os Estados Unidos”. E por aí foi a prosa. Com o balançar de cabeça de quem o escutava com cuidado, o doutor acrescentava mais coisas que eu não escutava direito, nem entendia ainda.  De repente, aquele estalo, coisa de gente nova: “Ah! Tá bom! Agora vou mergulhar!”.

                Hoje, ao iniciar com uns recortes da música Querelas do Brasil, dou os fundamentos de alguém que se foi faz tempo (Celino) admirando quem acabou de ir (Aldir Blanc). Tal como o menino assassinado dias atrás, Celino era carioca e negro, que sempre dizia: “Eu cresci com caixa de engraxate na esquina das ruas Abolição e Princesa Isabel, na placa que indicava a Praça da Liberdade, mas meus avós vieram escravizados da África! E  eu?”. E hoje...

                E hoje?!? O jumento envelheceu, mas as rodas remendadas da carroça ainda conseguem ir do Brasil ao Brazil, entregar outras porções de riquezas em detrimento da maioria pobre da população brasileira. Será que chegará? Pode ser. Afinal, tem  os burros! Tem gado para juntar em parelhas! Tem  cloroquina e fartura de capim!     “Deus acima de todos!”. Ai, ai, ai...

               Vamos estudar, minha gente! Vamos refletir! E pode tomar tubaína!

2 comentários:

  1. Parabéns, Zé. Seus textos estão cada vez mais precisos. Declaro isso considerando a polissemia desta palavra: exatos e necessários. Um forte abraço.

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  2. Vindo de você, eu acredito! Obrigado, Jorge.

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