quinta-feira, 28 de maio de 2020

TEM OUTRO RUMO?

E disso saiu um inseto lindo! (Arquivo JRS)

Olha a flor, logo ali! (Arquivo JRS)


                Eu escrevo as coisas de caiçara porque tudo isso faz parte da minha história. Gal, a minha esposa, também me incentiva muito! Certamente que deixei ao largo muitas pérolas valiosas do meu povo porque não registrei, deixei de escutar mais,  de estudar melhor, tive preguiça etc. Tenho convicção da referência delas: a vida simples, de pobres que dependiam da vivência coletiva, da comunidade. Com o passar do tempo, uma outra onda chegou invadindo os jundus: a especulação imobiliária devido ao turismo. Aqueles sinais de pobres roceiros-pescadores deveriam desaparecer: sumiram os ranchos de canoas e todos os apetrechos de pesca... Sumiram os mangues... Sumiram os portos onde se encontravam a minha gente para os causos nos serões... Sumiram as puxadas de redes... E foram surgindo os casarões... E foram abrindo estradas... E foram facilitando a ida de esgoto para o mar... Fomos vendo as degradações, mas os “olhos cresceram sobre o dinheiro”. E assim... logo tinha estrada morro acima para que mais casarões fossem construídos onde antes havia roçados. Hoje, pode ter certeza, a sujeira (esgoto doméstico, óleo de barcos etc.)  tomou conta de nossas águas. Rios e praias estão em situação crítica. “Aqueles peixinhos que se criavam por ali, na boca da barra, no lagamar, no rio acima...agora tá difícil, meu filho”. Diante disso, desse quadro feio, tem outro rumo? Não, não tem! Seria necessário outras reflexões e outras tomadas de posição diante do mundo que estimula o lucro acima de tudo. Seria preciso entender que o dinheiro não enche a barriga, nem traz uma felicidade autêntica. Por isso que, podendo, saio para o mato ao encontro do pessoal que continua na roça, cultivando mandioca, banana, cará... Por isso que visito comunidades que se agarram ao seu pedaço no jundu, na restinga. Me sinto em casa com esse meu povo ao qual posso tomar café com peixe e farinha.  Com eles converso muito, escuto as novidades. “Até as coisas velhas se tornam novas”.

                Muita gente boa chegou com uma carga maior, de ruindades. Agora, parece inevitável tantos absurdos. “O rio próximo da minha casa é cheio de canos de esgotos. Tudo sai por ali e vai parar no mar”. Quem deveria cuidar disso? O município, o Estado, o governo do Brasil têm esse dever. Eles, por intermédio de suas leis, vão dando os contornos dos direitos e deveres. Arrecadam para isso. Agora, se você é favorável ao livre mercado e ao fim do Estado, você deve achar natural esse caos, do “homem lobo do homem”. Se você grita para privatizar mais e mais, não deve se espantar com a poluição devastadora do nosso meio. Se você não respeita as minorias, então é natural até mesmo uma guerra civil. “Destruir a Amazônia? Tudo bem!”. “Tirar os direitos dos trabalhadores? Tudo bem!”. “Socorrer apenas os grandes empresários? Tudo bem!”. Etc... Diante dos rumos ditados pelo lucro a qualquer custo, precisamos refletir e agir.

                Você pode escrever bonito, se inspirando em vivências que enche de saudades, mas se conformando que a vida é assim mesmo. Mas você pode, a partir de suas lembranças e das energias de boas vivências, restaurar sonhos e viver feliz cada dia que ainda tem pela frente. É isto: a história é feita por nós! Por isso estão de parabéns: os remadores que se associaram, os roceiros que vendem, trocam informações e vendem juntos os seus produtos cultivados de forma mais saudável. Estão de parabéns as comunidades que estão atentas aos apelos de quem mais precisa agora e sempre, os pescadores que se reúnem na colônia deles ou que vendem seus pescados no rancho que bravamente sustentam na beira da praia. Tudo isto e muito mais só é possível porque cultiva-se na memória coisas que são essenciais, capazes de combater as propagandeadas aparências.

Coisas de caiçara, coisas que me tocam, estão na minha essência! Por isso cultivo o meu quintal, visito quem não foi engolido pela onda fascista, aprecio a natureza onde ela é mais bonita. Pensando nas pessoas em dias ensolarados, plantei árvores na calçada. Pensando na beleza e nos seres menores, plantei flores. Olho a cada dia as minhas plantinhas escondidas. Admiro as altas árvores que uns dias atrás eram sementes em minhas mãos. E o melhor de tudo: assim crescem Maria Eugênia e Estevan, as nossas “crianças”, né Gal?
               

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