Puxada de rede na praia do Pulso, em 1983. Bernadino levanta tabuleiro (laranja) com peixes. |
Depois de muito sofrimento, no último dia 9 nos deixou o pescador Bernadino, gente dos Prado, da praia do Pulso.
Do Bernadino, na beira do seu rancho de canoa, escutei e aprendi muitas coisas. Ele, companheiro de infância do meu pai, nunca deixou aquele lugar maravilhoso porque sempre viveu da pesca. Junto com a Maria, sua companheira lutadora, e os filhos Vicentina e Mário, o humilde pescador era uma referência para as minhas prosas esporádicas na praia do Pulso.
Certa vez, contando causos de outros tempos e de nossos antigos, o Bernadino se recordou de uma pescaria em tempo de caçoa. De acordo com ele, o Possidônio Barrasseca, na referida época, há mais de cinquenta anos, foi salvo por um boto. Percebendo o meu interesse, entrou nos detalhes: “No tempo antigo eram poucos os que sabiam nadar. Sabe o porquê? Porque os peixes bravos chegavam até na beira mar, desciam na arrebentação das ondas. Quase ninguém tinha coragem de se aventurar, ficar dando braçadas sossegadamente, querendo aprender a nadar. Por isso que, apesar de ótimos canoeiros, corriam um risco constante quando embarcados. Afinal, qualquer canoa poderia alagar, exigindo muito esforço e sorte de quem tivesse embarcado quando isso acontecesse. Isso aconteceu com o nosso parente Barrasseca, numa pesca de caçoa: a canoa alagou, depois de uma escapada de uma bitela, entre a Costeira do Tolino e a Ponta Lisa, onde era a casa do Caetano. Por perto não tinha ninguém que pudesse acudir. A embarcação mais próxima era a que estava o Horácio (do Herondino) e o Antonio do Prado. Assim que eles perceberam o desespero do amigo, levantaram a poita e começaram a remar desesperadamente. Porém, quando faltava mais de trinta metros para prestar ajuda, o inesperado aconteceu: um boto, surgido não sei de onde, serviu de apoio ao Possidônio, dando-lhe um empurrão por sobre a borda, tirando-o da água. Foi a sua salvação. Quando os dois chegaram, o homem ainda arfava. E o boto, depois de dar ainda algumas voltas em torno das duas canoas, desapareceu no rumo da Lage de Fora. Apesar de já conhecerem causos de amizade entre homens e botos, nunca nenhum deles tinha visto coisa assim”.
Belo arremate, Zé! Seus textos estão cada vez melhores.
ResponderExcluir