Otávio na viola- Arquivo Kilza Setti |
Num dia distante do ano de 1982, trabalhando na praia da Ponta Aguda, onde a ASEL tinha um de seus “postos avançados”, eu tive uma surpresa: das bandas da Tabatinga vinha a Folia do Divino. Isso quer dizer que aquele pessoal já não tão jovem, portanto a Bandeira do Divino Espírito Santo e seus instrumentos em sacos plásticos devido a chuva que caía, tinha andado uns cinco quilômetros “amassando barro” só para cumprir a devoção de “correr a bandeira de Norte a Sul, desde as Galhetas até o Camburi”; se preparando para a grande festa do mês de julho, na Igreja Matriz da Exaltação da Santa Cruz, no centro da cidade.
Perguntei ao Aristeu Quintino sobre o fato. Ele explicou: “Esse pessoal não falha! Todo ano, nesta época, eles vêm até aqui cantar. Antigamente eles vinham pelo Saco das Bananas, Simão e Lagoa. Nesses lugares morava muita gente! Hoje, como não tem mais ninguém, eles voltam do Saco das Bananas, depois de cantar na casa do Teófilo, do Gregório e de mais alguns dos ‘Madalenas’, dão a volta, cantam pelo Rio da Prata, Tabatinga e Galhetas e passam por aqui, pela minha casa. Eu e a minha família gostamos muito por esse apreço, pela consideração que eles têm por nós. Os outros do lugar - o Ambrósio e seus familiares, o João Quintino, a Paulina e o Zeca - não ligam ou são ‘crentes’. Acho que o Divino Espírito Santo merece esse sacrifício”.
O grupo era formado por seis caiçaras, sendo uma mulher: a dona Sebastiana, companheira do Otávio “Paratiano”, o versista na ocasião. Foram acolhidos, contaram das condições da estrada, se admiraram das galinhas da Odócia e dos filhos “fortinhos e corados” do casal. Depois, no espaço que servia de enfermaria, eles fizeram a cantoria completa, deixando a despedida para ser feita na cozinha. Dona Sebastiana, fazia o tipe, aquela voz finíssima que prolongava cada estrofe da música, que sustentava o som até a intervenção do tambor. Por isso, durante o café oferecido, o dono da casa a elogiou, dizendo que tinha se saído muito bem na sua função, com um tempo perfeito etc. Ao escutar o elogio à companheira, atalhou o Otávio segurando a mão da dona Sebastiana: “Esta mulher é boa mesmo! Iguá a ela só ela! No trepe não tem iguá!”. Rimos muito depois que o grupo retornou para onde veio, ao lugar do pouso daquela noite.
Resolvi contar isso depois de muito tempo, ao ler em Ubatuba nos cantos das praias, de Kilza Setti, onde “tem-se notícia de que nos tempos mais antigos das andanças da romaria do Divino era comum a participação das mulheres como companheiras de peregrinação, fosse para carregarem a bandeira, fosse para atuarem como tipe”.
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