Muitas coisas esperam e esperarão respostas até o último dia da vida da gente. Pior ainda é quando as respostas dependem de pessoas que também são enigmáticas, ou melhor, que ninguém sabe dar qualquer informação sobre elas.
O causo de hoje gira em torno de uma dessas pessoas: Artelino Flor, morador do morro da Praia Brava, que eu conheci, mas nunca tive coragem de especular-lhe coisa alguma. No entanto, me admirava das coisas que ele contava. Ainda agora estava me lembrando de uma das suas falas: “Quanto mais longe, mais estranhas histórias”, cuja função era servir de introdução a um causo.
Certa vez, no aceiro da roça do Horácio, para os “meninos de bodoques nas mãos”, o Artelino contou da Pedra da Igreja; foi mais ou menos assim:
“Naquela pedra, bem debaixo dela, tem um espaço grande, parece um salão. Quem for lá hoje encontrará coisas estranhas: a parede e o teto – na pedra mesmo! – tem desenhado um monte de coisas: animais desde paca até tartaruga, objetos redondos como tampa de panela, árvores, rios e mar. Tem ainda embarcação, mas não é canoa comum. Tudo parecendo ter sido pintado com pasta de urucum. Pelos cantos existem pedaços de instrumentos que podem ter sido um dia ferramentas ou armas. Não sei. Uns dizem que é mal-assombrado aquele lugar, mas eu mesmo não vi nada demais. Só sei de uma coisa que escutei e não duvido: os antigos moradores do lugar, desde muito tempo, naquele salão buscavam proteção quando viam embarcação estranha vindo de fora, pelo mar”.
Neste ponto do causo, o meu primo Gilmar perguntou: “Desde quando isso?”
“Ah! Faz muito tempo!” E continuava o Artelino naquela paz arrastada de gente velha: “É do tempo onde a música do céu era limpa e azulada. Diziam os mais antigos que os primeiros moradores a conviver com os índios já faziam isso (de fugir quando algo de anormal surgia na linha do horizonte). Aquele lugar protegeu muita gente: primeiro os degredados que evitavam encontrar novamente os navegadores portugueses; depois, os primeiros colonizadores, escaparam dos piratas, dentre estes um muito medonho chamado de Bonete que, pelo dizer dos tempos, era de um reino por nome de Escócia. Lá tem até um dizer escrito em nossa língua; dizem ser do tempo da pirataria. É bem no fundo, onde as cobras têm suas ninhadas. Deste jeito está escrito: ‘Pés desceram... mãos grimparam’.
De tempo mais recente eu posso dizer, assim como outros velhos que por aí estão: foi para lá que todos acorreram na revolução do tempo de Getúlio Vargas; depois o mesmo aconteceu em mais duas ocasiões: na passagem do dirigível Zepellin, quando todos achavam ser o sinal do fim do mundo, e no levante da Ilha Anchieta. Tudo isso sem falar dos tempos d’antes; do povo que só desenhou. Embaixo da Pedra da Igreja era a nossa fortaleza, de onde vem o nome da praia”.
Muitos outros causos eu tive a felicidade de ouvir daquele enigmático senhor. Digo assim porque ninguém sabia afirmar com certeza de onde veio tal personagem. Só uma fala do Rogé me intriga até hoje: “Sabe de uma coisa, Zezinho? O Artelino já foi cangaceiro. Aqui foi deixado por um navio, quando descobriram que viajava escondido na casa de máquina”. É, pode ser.
Vem desse tempo a minha curiosidade pela Pedra da Igreja. Em certa ocasião, no findar de década de 1960, meu pai nos levou até lá, para espiarmos de fora. É grandiosa!
Sugestão de leitura: Achegas à história de Ubatuba, de Guisard Filho.
Boa leitura!
Nenhum comentário:
Postar um comentário