Todos já sabem da importância da repetição e da tradição oral para aprendermos um monte de coisas. Se isso tem um grande valor hoje, no início do século XXI, imagine em outros tempos, quando até mesmo os livros eram mercadorias raras e poucos sabiam ler. Assim, escutar aquilo que os outros sabiam era de uma satisfação imensa, sobretudo quando éramos, na nossa infância, sedentos por saber e transbordantes de curiosidade em relação ao mundo e às demais culturas. Fiz tal introdução para contar de uma contadora de causo: tia Maria da Barra, irmã da vovó Eugênia.
A tia Maria era a tia de todo mundo. A sua casa sempre apresentou uma grande movimentação. Quanta coisa linda tinha por ali! Na mesa da sala estava o que mais despertava a nossa atenção: um oratório. A partir dele ouvíamos as narrativas daquela humilde mulher. Lá, partindo de uma gravura onde era retratada a via sacra de Jesus Cristo, aprendi meus primeiros passos na catequese.
Aproveitando uma tarde escura, com relâmpagos se derramando na linha do horizonte, a tia Maria falou da construção do mundo em seis dias e do dia sagrado de descanso. Depois explicou que, “da ingratidão humana, veio o pecado e aquele enviado para ensinar os homens a vencerem o mal”. Continuou a titia: “porém os homens rejeitaram o filho de Deus, entregando-o para a crucificação”. Nessa parte, pegando um martelo e alguns pregos enferrujados, ela batia na mesa bamboleante. Era medonho o barulho e a caretas significando os pregos perfurando carne, nervos e ossos. De repente, pegando uma bacia e uma concha, o cômodo vibrava todo com uma grande barulheira. Dizia a narradora que “semelhante barulho se ouviu pelo mundo inteiro quando Nosso Senhor Jesus Cristo expirou” e “as coisas se partiram, no mundo inteiro, semelhante à cortina do templo”. Depois completava: “Vocês não viram ainda aquela pedra imensa lascada sobre a Lage Grande? Pois é! Também é daquele tempo, daquele momento de sofrimento do Santo”. De ato em ato, de fala em fala, recorrendo aos meios que tinha na casa aprendemos tudo (ou quase tudo). Até decoramos os seguidores de Jesus, inclusive os dois Judas: o Matadeus e o Carioca. Bem mais tarde pude fazer as devidas correções; afinal, um era o Judas Tadeu, enquanto o Judas Iscariotes foi aquele que traiu, recebendo por pagamento algumas moedas.
Sugestão de leitura: A obra em negro, de Marguerite Yourcenar.
Boa leitura!
José Ronaldo dos Santos
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