Ainda hoje, conversando com as pessoas mais velhas da nossa cidade, é comum ouvir sobre o tempo em que, querendo um trabalho remunerado, tinham que se deslocar para a cidade de Santos, onde os bananais estavam em expansão no início do século XX. Isso perdurou até por volta de 1950. Muitos caiçaras de Ubatuba cumpriram um tempo na Baixada Santista; data desse tempo o crescimento do porto, onde ocorreram muitas contratações. Depois veio a industrialização, sobretudo em Cubatão. Assim , alguns dos “que foram para a batalha por necessidade” nunca mais voltaram. Por isso que, pesquisando por Santos, São Vicente e Vicente de Carvalho, no início de 1990, tive a felicidade de entrevistar vários desses migrantes caiçaras de Ubatuba. Muitos deles eram meus parentes desconhecidos até então. Mesmo o meu pai que tem somente 75 anos passou um tempo por lá. Essa movimentação é algo comparável aos mineiros e outros migrantes que buscam o nosso município desde a década de 1970 para ganhar dinheiro, pois seus lugares de origem têm uma economia estagnada.
Depois, com a navegação de cabotagem, inúmeros barcos (Ubatubinha, São Paulo, Santense etc.) faziam a linha regular entre a costa norte e a região santista. Era quando os caiçaras compravam mercadorias nos barcos, mas também vendiam seus produtos (ovos, farinha de mandioca, palha para fazer chapéu, pimenta, banana, óleo de fígado de caçoa etc.). Passeio maravilhoso era poder ir até a cidade de Santos, reencontrar com os parentes; “ver outra civilização” conforme dizia a finada tia Martinha.
Por falar em tia Martinha , ainda tenho na lembrança, por ocasião de seu retorno, logo após o desembarque, a sua empolgação. Primeiramente ela espalmou uma mão e, com o indicador da outra, traçava umas linhas imaginárias, dizendo: “A cidade de Santos é assim, assim, assim...” Para nós era o máximo saber que a titia, demonstrando rua por rua, já conhecia a cidade inteira. Na sequência, ela se empenhava em detalhar os pontos turísticos, sobretudo as ruínas das fazendas dos primeiros empreendedores da capitania. Porém, alegria maior era falar das igrejas. Empolgada como uma adolescente descrevendo o primeiro show, onde viu de bem perto o seu ídolo, assim narrou a titia:
“Coisa maravilhosa é ver aquelas grandes embarcações, as cargas de café, de banana e de tantas outras coisas. No porto vi uma rua, onde as mulheres eram chamadas de 'meninas de vida fácil'. A minha prima me levou para conhecer um clube num dia de baile. Aquilo que é ‘arrasta pé’! E as igrejas? Tem uma montoeira! Fui na Aparecidinha, na de São José Camaroeiro; perto desta, numa gruta, conheci São Cricalho, padroeiro dos intransigentes. Mas coisa de louco mesmo é a Igreja de Nossa Senhora do Monte Serrat! Para a gente chegar no alto do morro tem duas formas: ou a pé ou de trenzinho. Coisa bacana o tal trem! São dois e funciona deste jeito: o peso de um descendo faz com que o outro suba. O primo Domingos até explicou a engenharia, mas agora não sei contar direito. Só sei que o povo colocou-lhes o nome de Upa e Cupa. É assim: enquanto o Upa sobe, o Cupa desce”. Neste ponto, todos “se riram” até chorar.
Leitura recomendada: Baudolino, de Umberto Eco.
Boa leitura!
José Ronaldo dos Santos
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