As cobras sempre constituíram um motivo de atenção aos caiçaras. Afinal, o que existia eram caminhos, trilhas e picadas para dar acesso a tudo (desde as roças até a casa do vizinho, por mais próxima que fosse). Ou seja, o mato beijava os nossos pés a todo instante. Os acidentes (picadas de cobras) eram mais frequentes no tempo quente (verão). Tenho na lembrança os mais velhos a alertar sempre: “É bom prestar atenção no caminho. É tempo de cobra! Olhe bem!”. Enfim, todo cuidado era pouco. Eu mesmo tenho tios e tias que foram picados; escaparam, mas tinham ou têm as sequelas para comprovação. Nunca vi um caiçara morrer de picada de cobra.
As cobras mais temidas até hoje são: urutu cruzeiro, jararacuçu e coral.
Na praia da Fortaleza, onde estão as minhas raízes por parte de mãe, existia o Buraco da Cobra. Isto eu conto em outra ocasião às pessoas que ainda não sabem.
Em certa ocasião, logo pela manhã, numa roça de mandioca no Morro da Anta, enquanto estávamos trabalhando sob um lindo sol, escutamos o cachorro Peri latindo para alguma coisa no meio do capim-melado. Logo vovô disse:
- É cobra. Vai ver de perto, Tião, senão, ela pica o cachorro. Tira o Peri de lá. Depressa!
Tio Tião bem depressa obedeceu a ordem, mas o cachorro já tinha ganido. Era uma coral das bravas. Logo estava esmagada. Morreu com o “olho” da enxada na cabeça.
Enquanto eu dependurava a cobra num galho de timbuíba, tio Tião já estava com o Peri nos ombros. Em seguida mandou que eu descesse depressa e colocasse dois ovos para cozinhar bem. É preciso dizer que a dita roça era mais de meia hora da casa. Eu corri, rolei por barrancos. Nem vi os penhascozinhos. Fiz o que foi mandado. Quando o meu tio chegou, a água já fervia. Peri foi deixado embaixo de uma aroeira; parecia morto.
Depois de ferver mais uns dez minutos, meu tio achou que estava bom, no ponto de gema azulada de tanto cozer. Rapidamente o ovo foi descascado e cortado ao meio. A primeira metade foi presa por uma tira de pano sobre o local da picada da cobra. Depois de esperar um breve tempo, o cachorro deu sinal de vida. A metade do ovo foi trocada. Logo o cachorro estava sentado e latindo alegremente, mas mesmo assim o tio Tião ainda colocou a terceira metade sobre o local. Pronto! Peri estava curado! O nosso querido cachorro vinagre estava curadinho; abanando o rabo num ritmo de causar inveja a beija-flor. Morreu de velhice, por volta dos quatorze anos. O que o salvou? A sabedoria caiçara! Ainda hoje, conversando com o Pedro, da Ilha da Vitória, ele me disse que o ovo bem cozido continua sendo o remédio deles por lá. “É desse modo que ninguém morre de picada de cobra”.
Sugestão de leitura: Bom dia, Ubatuba, de Idalina Graça.
Boa leitura!
José Ronaldo dos Santos
👏👏👏👏💕
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