Numa dessas ocasiões ouvíamos o Dário Barreto contando sobre um empreendedor da praia das Sete Fontes: tratava-se de um português que investiu na pesca, porém nos moldes de uma empresa considerável onde, além da imensa prole, contratava vários camaradas de outras praias. Para encurtar o causo, vamos ao principal: um de seus camaradas, morador da distante praia Grande do Bonete, se apaixonou pela primeira filha do empreendedor. Todo mundo já sabe que a paixão é capaz de tudo, assim... , numa madrugada, antes do galo cantar, os dois desceram uma pequena canoa de capurubu, venceram a arrebentação e rumaram mar afora. Se tudo desse certo, chegariam dali a três horas à praia do moço, onde até uma casa de pau-a-pique já estava pronta para recebê-los.
Porém, logo perceberam a cerração sobre o mar. Quem já passou por isso sabe muito bem do que estou falando! Perde-se totalmente o rumo porque nada se vê para lado algum. E agora? Os dois totalmente convictos daquilo que queriam, impelidos pelos sonhos que punham em movimento, continuavam remando como se estivessem sob as ordens do austero pai e patrão. Primeiro continuaram na sensação de que estavam indo em linha reta, como se imaginassem entre a ilha do Mar Virado e a ponta da Fortaleza; depois buscaram aguçar outros sentidos. O nariz do moço, que igual ainda não se viu entre os colossais dos caiçaras, logo sentiu cheiro de ingá, da flor do ingazeiro, deduzindo que o rumo era aquele, porque no Saco Manso do Zacarias só tinha essa maravilha de árvore. Só era preciso apurar os olhos para costear a Lage Grande. Esta era traiçoeira! De sua parte, também sendo prendada na audição, porque sempre atentava às fofocas resmungadas de suas origens, a donzela caiçara que até hoje, na sua velhice continua linda, ouvia guinchos distantes e repassava ao seu companheiro. Daí ele afirmar: “Estamos no rumo certo! Mete o remo na água, mulher! O que você escuta só pode ser os porcos do Tiago Roseno; eles vivem num chiqueiro na Ponta da Deserta. Também sinto o furtum daquele porcalhão do Rogé que não toma banho nunca. Ele dorme nas canoas do rancho do Batengo que é por ali, no Saco Grande”.
Após tudo isso, quando o sol ainda nem pensava em iluminar o contorno da Ilha da Vitória, eles embicaram no canto manso da Grande do Bonete. Foram acolhidos com muito carinho; deles até foi escrito pasquim. Esqueceram-se do que poderia acontecer depois, quando o patriarca da Sete Fontes sentisse a falta do valoroso camarada de rede e da filha que era de igual valia sem exigir nenhum salário.
Depois, para finalizar o causo, o Dário aliviou a tensão do grupo: “Nada pior aconteceu. O casal até hoje vive bem, tem uma montoeira de filhos. Só o amor dele pela ‘branquinha’ é que causa um pouco de desgosto no lar”.
Quando o causo deu-se por encerrado, vieram os comentários. Todos se admiraram da coragem dos dois. Até aquele senhor, o Hiroito, interferiu finalmente. Com o olhar perdido na linha do horizonte, como se visse alguma coisa depois de tudo, contou uma história de um povo, dos gregos que ninguém conhecia.
Assim ele narrou: “Existiu uma tal de Helena, uma princesa muito linda de uma terra grega conhecida como Esparta, onde aportou, num belo dia, um príncipe troiano cujo nome era Páris. Eles, assim que se viram ficaram apaixonados. Possuídos por uma atração avassaladora, eles traçaram um plano de fuga”.
“Ela corneou o marido ?” Quem interferiu com esta foi o Bito Cláudio. Todos riram.
Hiroito continuou: “Foi o que aconteceu; eles cruzaram os mares desde Esparta até Tróia. O fato ocasionou uma guerra. Quem nunca ouviu falar da famosa Guerra de Tróia?”. Ninguém fez que sim, nem que não. Somente o filho do Ondino perguntou: “Só voltando um pouquinho para eu entender melhor: o tanto que eles remaram era o mesmo que da Sete Fontes até a Grande do Bonete?”.
Após dizer que era muito mais, que a viagem durou muito tempo, o narrador da capital paulista continuou: “Foi uma longa guerra; teve a duração de 10 anos”. Neste momento exclamou o rabugento Jorge: “Puta que páris! Deve ser verdade, mas vamos tomar uma pinga em agradecimento por uma briga que não aconteceu no rapto da princesa da praia das Sete Fontes!”. Foi só risada de novo. Somente aquele que contava fez o seguinte arremate: “As pessoas que ainda não nasceram irão continuar cantando canções a esse respeito”.
Em tempo: hoje sei que o nome completo de tal personagem é Hiroito de Moraes Joanides. Para conhecer este personagem basta ler o seu livro O rei da boca do lixo.
Boa leitura!
José Ronaldo dos Santos
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