sábado, 6 de novembro de 2021

A VERDADE COMPROMETE


Arte em Inhotim - Arquivo JRS

     Era tempo de campanha eleitoral no município. Ano: 1982. José Maurício, meu conhecido, era candidato a vereador. Naquele tempo, nenhum dos meus irmãos ainda se engajara na política com firmeza. Entre coisas sérias e brincadeiras eu disse ao Zé que o apoiaria, juntamente com a dona Ester Bueno para prefeita. Ele me agradeceu muito e logo foi pensando em reuniões para participar, em lugares para visitar, como se isso fosse fazer grande diferença nos resultados da eleição próxima. E saiu me puxando em direção à praça Maracanã, na Estufa, pois  ouvira dizer de um ensaio de congada na casa do Fortunato, um mestre originário do sertão do Puruba. De fato, lá estava o Nísio, o Decão, o Tobias e mais outros já segurando seus cacetes para manejar. Naquele tempo tudo aquilo era praça mesmo, onde a população local aproveitava bem. (Hoje é um campo de futebol fechado, sede da associação de moradores). Até o Totonho do Rio Abaixo se encontrava entre os presentes. Pensei naquela hora: "O que esse safado, esse aproveitador e mentiroso está fazendo aqui, entre essa gente boa?". Era o único caipira entre caiçaras.

  Houve um tempo para as apresentações. Tobias de Jesus, pai do Ostinho, um dos presentes, era liderança do bairro e compunha o grupo original dos dançadores. Zé Maurício explicou rapidamente seu partido e seus projetos que tinha em mente. Em seguida, quando a viola e o pandeiro se fizeram ouvir, o ensaio começou. Até Totonho estava empolgado para aprender os manejos da   dança da congada. O candidato apresentado por mim também entrou e fez bonito, direitinho em todas s evoluções. Já o Totonho, cansei de ver as bordoadas que recebera nos dedos. No fim de tudo, o anfitrião Fortunato, "dono do apito", tomou a palavra: "Estou satisfeito pelo ensaio, por terem se esforçado no manejo. Notei que apenas um de nós não se concentrou. Quando isso acontece, posso afirmar que é porque o pensamento está em outra coisa. Será em torno daquilo que o seo Zé Maurício nos falou? Será porque estava pensando nas verdades que podem derrubar mentiras?".  Dei um sorriso, pois eu sabia que o mestre da dança repudiava o ser mentiroso do Totonho. (Certamente que ele sabia que a verdade compromete o nosso ser mais do que a mentira, e, que muitos dali tinham consciência do quanto ele era mentiroso). Naquela eleição, diante dos exíguos votos dados à dona Ester, Zé Maurício, Plínio e outros, percebi o quanto temos de caiçaras conservadores, que preferem apoiar os que enganam em vez de se comprometerem com a verdade que nos conduz às lutas pela nossa cultura e pelo nosso território. Quem se regozija com isso são os que querem continuar explorando impunemente. Resumindo: entender política é enxergar muito além de um palmo do próprio nariz; é se comprometer com a verdade e tê-la como um  farol na navegação segura. 

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