A Cruz de Iperoig, em Ubatuba, lugar de tantas paixões! (Arquivo A/I) |
Hoje tem escolas
com o nome dela, mas poucos sabem a respeito dessa humilde mulher que faz parte
da memória de Ubatuba. Como seria gratificante
conhecer e cultivar o espírito literário da Idalina Graça! Hoje, Da história
contada pelo o velho Romão, essa caiçara escreveu a lenda da “Cruz de Iperoig”:
“Iperoig,
a mais linda virgem tamoia, implora a seu Deus o amor do homem branco. Na orla
da praia, o jovem missionário ora e medita. As saudades da pátria distante são
suavizadas pela fé ardente.
O
amor da jovem índia não o perturba. Há muito que esqueceu as tentações da
carne, porém seu espírito sofre. Acostumado a amar e amparar os seres humanos
mais infelizes do que ele próprio o é, compreende o imenso desespero da virgem
que se lhe oferece e é repudiada.
Já
havia perdoado o amor louco da selvagem donzela, que tentava afastá-lo do
Senhor e da gloriosa missão para a qual fora destinado na terra. Pousa seus
olhos sonhador sobre a cabecinha amiga e inclinada a seus pés. Olha para os
braços roliços, morenos, de linhas graciosas e puras, cruzados sobre os seios
pequenos e túrgidos. Iperoig espera...
Eis
que o homem branco, com voz suave e trêmula, diz: - ‘Minha filha. Já o sol
nasceu e está aquecendo a terra. Seus raios vivificadores estão dando vida tua
pátria selvagem, onde viste pela primeira vez sua luz’.
Ergueu-a
mansamente da areia, onde estava ajoelhada, e viu-a trêmula e palpitante. Seu
espírito forte e heroico se sentiu turbado ante aquela criança, que implorava
desesperadamente amor. Vacilou por um simples momento, e pousando o seu olhar
na incomensurável amplidão do céu, orou febril: - ‘Deus, Todo Poderoso, tende piedade! Lançai
Vosso olhar protetor sobre esta pobre ovelha arisca do rebanho. Senhor!
Iluminai com Vossa Divina Luz este pobre coração obscurecido e mergulhado no
pecado! Fazei, Senhor, com que esta criança sofredora, conheça a Luz e a
Verdade, que sois Vós, Jesus!’
Enquanto
orava, de seus olhos as lágrimas escorriam, lentamente, pelas faces pálidas e
encovadas. Ouvi-o Iperoig. E assim falou: - ‘Os guerreiros valentes da nação
tamoia não choram quando vão morrer. Tu choras porque eu te tenho amor.’
Cai,
de joelhos, o missionário: ‘Ave-Maria...’
Sua
voz clara e melodiosa se casa com trinado dos pássaros, enquanto o mar na praia
o acompanha em responso de prece...
Parte
a jovem tamoia alucinada de dor, ofendida no mais profundo ser, pela recusa do
seu amor. Vai pedir a vida do homem branco a seus irmãos. – ‘Negara-lhe ele o
amor que lhe ofereceu? Pois bem; ela lhe negará a vida.’
Segue.
Penetra na selva. Eis que das folhas escuras desliza lentamente a horrenda
urutu. Um bote e um grito! Iperoig sente-se ferida. Seu olhar desvairado busca,
frenético, a ‘árvore da vida’, cujas folhas poderão salvá-la. Mas, ai dela! A
árvore nasce muito longe, além, no sopé da serra. As dores atrozes dizem-lhe
que a mais linda virgem da nação está para morrer.
-
‘Não’ –grita aflita – ‘Não morrerei longe dele. Quero vê-lo mais uma vez, antes
de partir para o país das sombras’.
Reunindo
todas as forças que lhe restam, já minada pelo veneno atroz, Iperoig tenta
voltar à praia. Ampara-se nos troncos, nos galhos, arrasta-se de joelhos, implorando
a Tupã para que lhe dê energia suficiente. Torna a enxergar o mar. Seu olhar
amortecido pela morte que se aproxima, vislumbra a silhueta amada. Um
derradeiro arranco, um último esforço, o grito agônico e tudo se acaba.
Surge
a lua que ilumina dois vultos na praia deserta: um monge que reza e um corpo
jovem que dorme seu último sono. Assim atravessam a noite. Quando o sol
iluminou mais uma vez as areias alvas, encontrou uma tumba e uma cruz de lenho
plantada pelo padre Anchieta. É ela que perdura até os nossos dias: a Cruz de
Iperoig”.
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