Olhando
uma imagem da casa de pau-a-pique, no Cambury, vem à memória muitos momentos
vividos em paisagens assim. Hoje, passando pelos caminhos que ainda não foram
tomados pelos casarões dos turistas ou pelos condomínios fechados, vou
apreciando as cavas de casas, os vestígios do meu povo caiçara. Tudo se desfez
na natureza porque a casa do pobre caiçara era totalmente ecológica. Na década
de 1930, dizia a tia Maria Mesquita, esposa do tio Genésio: “Pode se casar que
tem uma canoa e uma casa de telha”. Dessas casa mais “modernas”, o que se acha
são somente cacos de telhas que ajudam a entender e explicar a nossa história.
Outros aspectos a gente vai partilhando, recontando...
Há
coisa de quarenta anos era comum, no cotidiano caiçara, aproveitar ao máximo a
natureza que nos rodeava e a convivência com as pessoas. Todos se conheciam,
queriam ficar juntos sempre. Nos finais das tardes, já nos serões,
nas praias, os jovens jogavam futebol ou peteca. Aproveitavam a calmaria,
paqueravam, partilhavam histórias. Os mais velhos, na linha do jundu,
pelos ranchos de canoas, proseavam sobre o cotidiano antes de se dirigirem para
o jantar. Outros chegavam de armar tresmalhos e puxavam as
embarcações às áreas protegidas. Poucos passeavam na linha do lagamar:
se molhavam até as canelas, um relaxamento ainda seguido à risca por alguns
caiçaras e que vem de outros tempos.
A
minha prima Neide, da Praia da Fortaleza, era uma dessas pessoas que praticava esse
relaxamento. Nunca a vi falhar um serão, mesmo que chovesse. Andava
olhando perto e longe; enxergava a linha do horizonte, todas as cores, mas
também via cada concha, os buracos dos bichos da praia e os seres que eram
novidades. Até um pinguim adotou.
A
simpática ave, trazida por alguma corrente do sul, recebeu o nome de “Arcidão”.
Foi uma homenagem ao soldado do mesmo nome que, por alguns anos, sentou praça em
Ubatuba . Muitos anos mais tarde, por intermédio do saudoso Ney Martins, eu
soube que esse valoroso homem, após a aposentadoria, tornara-se mestre
de congada em Jacarei, a sua terra natal. Já a ave se apegou tanto à Neide
que, até o quarto era compartilhado: dormia num aconchegante tapete, feito de
retalhos pela tia Maria Mesquita, embaixo da cama. Durante o dia, aonde ia a
moça, pra lá se dirigia andando de forma muito engraçada o “Arcidão”. Nunca se
separavam, exceto quando a Neide precisou ficar fora um mês por conta do curso
de enfermagem. A ave entrou em tristeza profunda, não se alimentava mais. A
solução foi embarcar numa canoa e soltá-lo bem longe, pois ninguém aguentava
vê-lo sofrer. Eu nunca tinha visto sentimento tão forte entre um animal e a
comunidade da praia da Fortaleza. Duro mesmo foi sofrer depois com o sofrimento
da Neide. Ah, essa minha prima! Que coração!
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