Em 1980, sob a orientação do senhor Alcir, eu fui um dos pesquisadores de censo demográfico (Censo 80). A área 13, compreendida desde o Itaguá até o farol da Ponta Grossa, ficou sob a minha responsabilidade.
Foi fantástico esse trabalho! Descobri coisas, lugares e pessoas interessantes, dos mais distintos estilos (desde o Dito Correa Leite, mestre da dança da fita da comunidade, até a estrangeira Melica, uma sérvia que habitou essa terra). Fiz muitas amizades, dentre elas a do português Manuel, dono do Hotel Monteiro, próximo do campo de futebol. Escutei muitos causos do João de Souza, da dona Celeste Damásio... dessa caiçarada toda!
Agora, a dona Melica:
A sua simpática moradia de tijolos não pertencia ao meu setor; eu a encontrei por acaso, quando passava numa das ruas tranquilamente. Ela me chamou e perguntou se eu poderia trocar um botijão de gás que tinha esvaziado. Disse mais ou menos isso: “Sabe como é, né? O meu vizinho mais próximo é o Cristo da praça perdida no loteamento de mato!”. Naquela casa tinha muitos livros! Quando percebi que era estrangeira, quis saber mais. Veio da Bósnia, deixou sua cidade natal (Sarajevo) logo após a Primeira Guerra Mundial. Era uma criança quando chegou ao Brasil. Mais tarde, cruzando o caminho com um aventureiro ("um russo", de acordo com João de Souza) veio parar em Ubatuba, “um paraíso distante” no dizer dela.
Apaixonada por plantas, seu quintal ostentava as mais diversas orquídeas da nossa mata. De acordo com a própria personagem, “uns meninos sempre trazem as espécies do caxetal ou da Jundiaquara; eu recompenso bem o esforço deles”. Para encurtar o causo, à minha demonstração de interesse pelos livros, ela contou: “Um dia, na minha terra de origem, o meu pai era professor universitário. Hoje vivo feliz aqui. A minha amiga de conversas e estudos é a Virgínia [Lefréve], essa mulher batalhadora, preocupada em valorizar o artesanato e as relações tão simples dos caiçaras”. (Naquele dia eu ainda não conhecia a dona Virgínia, mas não demorou muito para encontrá-la em sua acolhedora casa, no bucólico canto do Acarau, vizinha do velho Alexandrino).
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