Concentração na fé

Arte-mensagem na área do antigo matadouro de Ubatuba

              

        Vovó Martinha, assim como outras pessoas, “tinha suas qualidades e defeitos”, conforme dizia a minha mãe. Nascida na praia do Pulso, ela passou a maior parte da vida na Praia do Sapê. Era entendida em plantas medicinais. Foi, por muito tempo, parteira de boa parte da região Sul. Sempre, chovesse ou fizesse sol, estava disponível para auxiliar alguém.

         Era alguém que prezava muito a liberdade. Tinha o seu ritual: acordava bem cedo, fazia um café para quem fosse acordando depois tomar; em seguida saía para andar na praia e visitar as principais amigas. Somente quebrava essa rotina para “trazer alguma criança ao mundo”, em casos de doença ou para velar algum defunto. Em sua velhice, depois dos setenta e cinco anos, já morando na Estufa, é que diminuiu o seu ritmo, passou a ficar mais em volta da casa. Nesse tempo, sendo o vovô Estevan já falecido, eu passei a fazer-lhe companhia, sobretudo nas noites.

         Morando em um bairro populoso, ela se retraiu, remodelou seu ritual. Era muito religiosa. Já não podia andar muito, mas continuava rezando alto  pelos seus. O momento principal era no serão quando, sentada em sua varanda, olhando para a rua, desfilava uns pares de orações. Nesse lugar ela ficava até o escuro total, “quando os pernilongos passavam da conta”. Muitas vezes, eu, de dentro de casa, a escutava. Ria em muitas ocasiões, mas sem que ela percebesse. Era impressionante a concentração da vovó no espírito da oração. Eis um exemplo:

         “Ave Maria, cheia de graça...Espie ali, Zé; tais vendo aquela moça? Não tem marido, mas tá prenha!.. O Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres...Vigie se eu apaguei o fogo da panela de inhame...Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus. Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores...Será que o Daniel já chegou da pescaria?...Agora e na hora da nossa morte. Amém”