domingo, 13 de setembro de 2020

SINA DE FUXIQUEIRO

 


                                                                     Entardecer na praia (Arquivo JRS)

                A saudosa vovó Martinha tinha fama de fuxiqueira. Na verdade, era mesmo! Só que eu prefiro ainda hoje considerá-la como uma informante exagerada. Ela, em suas caminhadas ao amanhecer, via coisas até desnecessárias, mas geradoras de conjecturas que muitas vezes se confirmavam. Realidades e fantasias sempre estavam nos seus roteiros de fala. Era um leva-e-traz constante o cotidiano dela. Apenas o João Brilhante se emparelhava, poderia competir com ela. Por isso eu sempre o chamei de João, o Fuxiqueiro. Ainda o chamo assim. E ele gosta, até dá risada! Chegou a velhice, está diabético, mas se mantem na mesma vivacidade, sempre “antenado”, prestando atenção, principalmente em coisas que não lhe dizem respeito. Depois, assim como a vovó, faz impressionantes comentários, só que é mais seletivo, escolhe para quem vai compartilhar as novidades. Ultimamente, depois que enviuvou, parece estar mais afinado em seu velho talento. De vez em quando vou visitar o João e me fazer ouvinte de suas prosas. A vantagem é que vou adquirindo mais assuntos para escrever. Ao chegar no portão dele já escuto mais ou menos isto: “Ainda bem que você chegou, Zé! Estou em dívida com umas histórias faz tempo. Entra e senta que eu lhe conto umas boas. Antes vamos tomar um café com um queijo que comprei na feira, dos caipiras de Catuçaba”.

                Numa ocasião ele disse coisas inesperadas a respeito da Teteia, a companheira do Totonho. Lembrei-me da prosa agora porque acabei de vê-la no caminho, indo para o serviço pedalando afobadamente. Não tem como não se impressionar com o João. É o meu fuxiqueiro-mor. Como sempre, após o café, a inesperada narrativa:

“Sabe que a nossa amiga Teteia tem sofrido com essa vida de viagens do Totonho. Já tem anos que o homem só dorme uma ou duas noites em casa. Não desejo vida dessa para ninguém, nem sendo inimigo dos piores.  Que vida triste leva a Teteia! Se ela não ouvisse o conselho da Maura Pernuda, o Totonho já tinha enfeite pontudo na cabeça. Enfezado que é, parecendo sarna brava, você já imagina o que ele seria capaz de fazer!? Sabe o que ela aprendeu para compensar  a ausência do macho dela? Se distrai com mandioca. Quando não tem, se vira com banana nanica verde. Coisa triste isso. Por sorte, de um ano para cá ela conseguiu emprego em casa de gente rica, uma tal de Dona Zilda, no Itaguá.  Tal como a empregada, a patroa passa por angústia parecida. Mas, cá entre nós, você acha que gente rica  vai recorrer à banana, mandioca ou coisa assim? Claro que não! Ela, segundo a Teteia, ‘tem uns aparelhos de sex shop, de tamanhos de fazer inveja’. O melhor lhe conto agora: a ricaça percebeu, pelo brilho nos olhos, o interesse da coitada pelo mostruário sob a cômoda. Escutou a história dela, se compadeceu. Acabou escolhendo uma peça da admirável coleção, colocou dentro de uma sacola e lhe presenteou. Segundo o ditado, ‘não precisa muita coisa para alegrar pobre’.  Desse jeito, Teteia, graças à madame, se modernizou para sentir prazer na ausência do marido. Só que, você sabe, essa gente crente pensa muito em pecado. E por azar, num culto ela ouviu uma pregação desfavorável, servida para reforçar a sua culpa. O que fez Teteia? Pegou o apetrecho e endereçou a um velho desafeto da família. Isso confirma novamente um dizer dos antigos: ‘Alegria de pobre dura pouco’. Por que tem de ser assim as coisas? O que vai fazer a coitada? Não tenho nenhuma dúvida que ela já retornou aos recursos de antes. Por que tenho certeza disso? Eu não vejo então, por acaso, ela passar uma vez por semana, no rumo da roça do Chico Mergulhão?”.

                Parafraseando a criançada: “Viaja esse João!”. O que há de se fazer? Desde que eu o conheço é assim, tem assunto de onde você nunca espera. Mais uma vez confirma o apelido de Fuxiqueiro, não é mesmo?



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