terça-feira, 22 de setembro de 2020

MELHORA COM NINHO DE ARAPUÁ

 

Lá longe, nem se avista quase (Arquivo JRS)

    "Nós fomos naquela lonjura buscar uma erva. É que só lá na ilha tem. Saímos cedo; éramos três remando. Quase meio-dia durou a travessia. Melhor dizendo: saímos no clarão e chegamos quase no sol a pino. Isso porque o mar estava liso, sem nenhuma ventarola. A canoa ficou amarrada na poita deles: uma bola grande com algumas letras. Encostou ali um dia; pode ter se desgarrado de algum navio que passou por fora, segundo os moradores. Caímos na água e subimos pelo estivado mais perto. O Batengo estava agachado; nos recebeu com um pito na mão. O cheiro bom do fumo estava no ar. Os outros se esconderam como é o costume deles. São vergonhosos ou não desejam gente para não estragar aquela paz.  Apareceram depois, aos poucos, meio ressabiados. Logo ali, subindo pelo mesmo caminho, chegamos na casa. Dentro estavam os outros (mulher e crianças) do Batengo. Ela explicou onde tinha o mato para nós, a erva que fomos buscar. Bastou subir mais um pedaço do morro, até uma área de macega com muita macela e um marco de duas pedras: uma maior e a outra menor. A grande era um granito verde; a pequena era inteirinha branca, dessas que dizemos ser pedra de vidro. Entre as duas tinha a tal erva que Josefa precisava para depois do benzimento. A nossa tarefa era levar aquele mato. Logo ajuntei uma massaroca, uma boa braçada. Chegou a metade da tarde. O tempo virou, veio vento forte. A nossa canoa foi puxada para a terra firme. O jeito era pernoitar com eles, na ilha. Ainda não tinha escurecido de vez quando jantamos: era comida como a nossa, de caiçara. Farinha e peixe ensopado. Uma panelada de cambeba. Além de banana verde, havia uns fiapos escuros pelo meio do caldo. É que eles, a gente de lá, tem o costume de juntar um tipo de limo da costeira, secam no jirau para depois usar no cozido. Dá um gosto a mais na comida. Só não usam no marisco, dizem,  porque este já tem o gosto do limo na carne. Depois da janta, a companheira (Lídia) do Batengo explicou que aquele mato colhido por nós é amargoso, solta um pitiu, mas se fizer amassado com ninho de arapuá, um aroma doce se espalha pelo ar e  se torna melhor de beber. Escutei bem a recomendação dela: 'Faz desse jeito pra mode tomá com gosto e fazer mais efeito, curar ligeiro. É certo: melhora com ninho de arapuá'. Tudo isso eu transmiti à nossa benzedeira quando chegamos de volta. 

    Ainda a gente estava na prosa da mesa, tomando um cafezinho depois, quando chegou o primo Eugênio trazendo umas esteiras de taboa da casa dele. Proseou um pouco só; nem uma hora depois se foi pela escuridão.  Logo dormimos todos. No escuro da madrugada as brasas do fogão foram reavivadas para o nosso café antes de deixarmos a ilha. Juntamos tudo o que era nosso, agradecemos e embarcamos para remar tudo aquilo de novo. Que não é fácil ser ilhéu isto eu posso garantir!".

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