Meus tios e uma caçoa pequena (Arquivo Tio Salvador) |
Eu conheci o Bito Mesquita, irmão do Porphírio, quando era bem velho, mas desconfio que há muito tempo ele era conhecido
como Velho Mesquita. A sua moradia era no canto da Lagoinha, no começo do morro, na beira do caminho que vai para
as bandas do Bonete. Atualmente, tenho quase certeza de que só a costeira não se modificou naquele
lugar. As casas pobres e os roçados dali já se foram há muito tempo. Agora, só
casarões vigiam desconfiados os transeuntes, com seus muros empurrando o antigo caminho de servidão.
Um pouco mais para frente, depois da prainha do Oeste, morava o Tio Zaca, o seu parceiro de prosa e pesca. Uma das prainhas agora lhe homenageia: Prainha do Zaca.
O meu ofício não é escrever
histórias, mas sempre dou um jeito de registrar alguma coisa. Agora mesmo
estava me recordando de uma tarde ali na prainha. Para uma plateia só de
caiçaras (Eu, Tobias, Júlio, João, Zé Roseno e Angelino), Tio Zaca contou:
“O Mesquita, se
pudesse, não deixava o mar. Nunca se viu alguém na vida gostar tanto de canoa. No
tempo de caçoa então, ai ai ai... Nem a cantoria dos galos tinham parado ainda de
chamar o dia, ele já chegava no rancho, que era neste lugar mesmo, onde tem a figueira. Dava só um grito: ‘Hora de caçoar, Zaca’. Eu que nunca gostei de
deixar ninguém esperando, vinha logo de casa e embarcava com ele mar afora. Bom
pescador e parceiro sem igual era aquele homem. Nunca vi igual! Parecia que ele
enxergava os cardumes dentro d’água. Caçoa, então, ele farejava de longe. Eu brincava que na outra vida ele tinha sido cachorro.‘Tais
sentindo, Zaca, o cheiro de melancia? Elas acabaram de arrotar aqui perto, vamos arriando
as linhadas. É pena que só damos conta de duas!’. E não era que ele estava
certo? Não demorava nada a gente já estava de volta, rolando a canoa no jundu e começando a consertar as bitelas ali no rio”.
Pescaria de caçoa tinha disso. Dificilmente os antigos caiçaras puxavam mais do que duas devido ao tamanho e peso
(quase sempre entre 80 e 100 kg). O tempo delas, depois de agosto, desesperava
todo mundo. É que o óleo, extraído de seus fígados, era muito cobiçado. Os mestres dos barcos que
faziam a navegação de cabotagem compravam tudo que houvesse e levavam para
Santos para revender.
Ao dizer a palavra caçoar hoje,
faz lembrar de gozação, de rir de alguém. Em outros tempos, caçoar era se
aventurar pelo mar com as narinas abertas a fim de sentir o cheiro dos arrotos das caçoas e
lançar os anzóis para capturar as grandes, medonhas, mas mansas criaturas que
possibilitavam uma renda a mais na economia dos pobres moradores desta Ubatuba, um pedaço de litoral
brasileiro.
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