Grupo da Folia do Divino - Capela da Marafunda 2005 (Arquivo Luzia) |
No ano de 1267, numa cidade
italiana, um frade mendicante faz um sermão através de uma história divertida e
edificante, pertencente ao gênero literário conhecido por exemplum, retirada de
um texto recém-concluído chamado Legendae
sanctorum, vulgo histoira lombardica dicta. Seu autor também era um
mendicante, Jacopo, nascido em 1226 na cidade de Varazze, próxima a Gênova.
Autor de muitos sermões e de uma importante Crônica de Gênova escrita em 1293, sua grande obra, foi a coletânea hagiográfica que ficaria conhecida por Legenda áurea. Isto é, um conjunto de textos (legenda: aquilo que deve ser lido), também tinha o sentido de “leitura da vida de santos”) de grande valor (daí áurea, “de ouro”) moral e pedagógico. O objetivo imediato de Jacopo de Varazze era fornecer aos seus colegas de hábito, os dominicanos ou frades pregadores, material para a elaboração de seus sermões. Material teologicamente correto, isento de qualquer contágio herético, mas também compreensível e agradável aos leigos que ouviriam a pregação. E, detalhe, a atemporalidade dos fatos relatados, faz com que o conteúdo da sua obra principal – Legenda áurea – fosse recorrida ao longo dos séculos vindouros pela religião católica. Assim chegou até nós o evento da Exaltação da Santa Cruz, padroeira do município de Ubatuba, festejada no dia 14 de setembro.
Da Legenda áurea retirei um texto
mínimo para que sintamos a força da legenda até os nossos dias. De legenda se
origina a palavra lenda, uma história muito antiga que vai passando pelas
gerações. As legendas (lendas) eram contadas para explicar aquilo que não se
conhecia a causa. Portanto, não sabemos o que de fato é real numa lenda.
A Exaltação da Santa Cruz é
assim chamada porque neste dia a fé e a Santa Cruz foram especialmente
exaltadas. Note-se que antes da paixão de Cristo a cruz era vulgar, por ser
feita de madeira comum, infrutífera, plantada no Monte Calvário onde nada
frutificava; era ignóbil, por ser destinada ao suplício de ladrões; era
tenebrosa, por ser feia e sem qualquer ornato; era mortífera, pois os homens
eram colocados nela para morrer; era fétida, por ser plantada no meio de
cadáveres. Depois da Paixão, foi exaltada de diversas formas, passando de
vulgar a preciosa [...] A Exaltação da Santa Cruz é celebrada solenemente pela
Igreja porque graças a ela a fé foi exaltada.
Em Ubatuba, pelo que eu sei, algumas capelas capelas homenageiam a cruz: Cambury, Puruba, Marafunda, Sapê, Toninhas... Todas elas
irradiadas da Igreja Exaltação da Santa Cruz, no centro da cidade. Com toda
certeza, colocar a inauguração da Matriz (no ano de 1886) no “Dia da Paz de Yperoig”,
tinha somente o motivo de comemorar a vitória da fé (e da guerra!) dos “nossos pais
portugueses” sobre os “gentios da terra”, os tupinambás (primeiros moradores
deste chão). Na praia do Cruzeiro (Yperoig) a fé católica triunfou, os índios foram derrotados, a vila nasceu. Se a lenda
dizia que a cruz sempre venceu, agora não poderia ser diferente. Até recentemente, todas as praias em Ubatuba tinham
o seu Porto do Cruzeiro, a sua cruz olhando para o mar, invocando a proteção aos moradores daqueles lugares habitados pelo povo caiçara.
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