Tio Antônio Félix (Arquivo JRS) |
Tio Antônio foi o primeiro filho dos oito que a vovó Martinha teve. Um talento
especial nele era o de fazer rir quem estivesse por perto, em prosa com ele:
sempre encontrava ao menos uma graça em alguma coisa. Também se aproveitava das
ocasiões para esclarecimentos em qualquer coisa, sobretudo quando se relacionava
com saberes da nossa gente. Tinha a paciência em detalhar material, técnica e
uso do tema abordado. Por exemplo:
“As casas da nossa gente - quase todas! – era
feita de pau, barro e sapê. O tronco da jiçara era feito em ripas para receber a
cobertura. Para usar como vigas, a preferência era pelo jacatirão, sempre reto.
Já na serventia de colunas, a gente procurava pau mais duro no mato, mais resistente ao tempo. Cabiuba,
ipê, canela e até mesmo tarumã eram os mais aproveitados para fazer colunas. Mas tudo
tinha de ser cortado no tempo certo, na lua boa, senão... logo bichava, dava
cupim. Ainda é assim para alguns hoje. Depois de colocados em pé, de travadas as
colunas das paredes e da cumeeira, vem as vigas por cima. Na parte de baixo,
rente ao chão, deitam-se as peças que servirão de soleira, de onde parte os paus
dos batentes das portas e das janelas. A cobertura acontece nesse momento. O
sapê colhido e secado é separado em porções iguais, amarrados, penteados e
distribuídos sobre as ripas em camadas. Quando é bem feito, penteado de acordo,
dura até catorze, quinze anos... Na soleira também é onde se firmam os paus mais
finos, varetas escolhidas a dedo. Ficam a pique para serem enleiados, envarados e firmados com embira,
sendo mais recomendado a de Imbé, da casca dele. Pode passar o tempo que quiser
que aquilo não se acaba, nem se rompe. O pau a pique tem de ficar menos de um palmo
de distância um do outro. Envaro é o que se põe de um lado e de outro do pau a
pique e vai se prendendo com embira. É assim: pau a pique é pau em pé e envaro é
pau deitado. Tudo bem amarrado se torna a sustentação das paredes. Nesse
trançado que fica é que vai jogar barro, espremer nos vãos, fechando a casa e os
cômodos dela. Tudo isso nunca foi serviço de homem sozinho ou de dois e três.
Sempre era feito em pitirão, com muita gente do lugar no ajutório. Depois o dono
passava a ocupar; aquilo virava o seu lar, onde namorava para cumprir o
mandamento divino de crescer e multiplicar. Era mais um lugar para se cantar
Reis, Folia e fazer bate-pé. Quase sempre a sua sala, com bancos encostados nas
paredes, serviam para prosas e rezas. Quando alguém da casa falecia, era na sala
que se velava e conversava a respeito de tantas coisas, ainda mais das
engraçadas vividas com o defunto. Não havia quem não rezasse e quem não desse
risadas debaixo daquele teto. Flores, velas, café, pinga e o de comer eram
sagrados naquelas horas de despedidas”.
Ah! Detalhe: o tio Antônio foi padrinho
do tio Neco, o sétimo filho. Segundo a crença, para que este não virasse
lobisomem era preciso cumprir o ritual. Se fosse sete mulheres na sequência,
também a primeira delas batizaria a sétima, evitando uma nova bruxa no pedaço,
no nosso chão caiçara.
Nenhum comentário:
Postar um comentário