quarta-feira, 16 de setembro de 2020

DETALHES DO SER CAIÇARA

Tio Antônio Félix (Arquivo JRS)
                
                         Tio Antônio foi o primeiro filho dos oito que a vovó Martinha teve. Um talento especial nele era o de fazer rir quem estivesse por perto, em prosa com ele: sempre encontrava ao menos uma graça em alguma coisa. Também se aproveitava das ocasiões para esclarecimentos em qualquer coisa, sobretudo quando se relacionava com saberes da nossa gente. Tinha a paciência em detalhar material, técnica e uso do tema abordado. Por exemplo: 

           “As casas da nossa gente - quase todas! – era feita de pau, barro e sapê. O tronco da jiçara era feito em ripas para receber a cobertura. Para usar como vigas, a preferência era pelo jacatirão, sempre reto. Já na serventia de colunas, a gente procurava pau mais duro no mato, mais resistente ao tempo. Cabiuba, ipê, canela e até mesmo tarumã eram os mais aproveitados para fazer colunas. Mas tudo tinha de ser cortado no tempo certo, na lua boa, senão... logo bichava, dava cupim. Ainda é assim para alguns hoje. Depois de colocados em pé, de travadas as colunas das paredes e da cumeeira, vem as vigas por cima. Na parte de baixo, rente ao chão, deitam-se as peças que servirão de soleira, de onde parte os paus dos batentes das portas e das janelas. A cobertura acontece nesse momento. O sapê colhido e secado é separado em porções iguais, amarrados, penteados e distribuídos sobre as ripas em camadas. Quando é bem feito, penteado de acordo, dura até catorze, quinze anos... Na soleira também é onde se firmam os paus mais finos, varetas escolhidas a dedo. Ficam a pique para serem enleiados, envarados e firmados com embira, sendo mais recomendado a de Imbé, da casca dele. Pode passar o tempo que quiser que aquilo não se acaba, nem se rompe. O pau a pique tem de ficar menos de um palmo de distância um do outro. Envaro é o que se põe de um lado e de outro do pau a pique e vai se prendendo com embira. É assim: pau a pique é pau em pé e envaro é pau deitado. Tudo bem amarrado se torna a sustentação das paredes. Nesse trançado que fica é que vai jogar barro, espremer nos vãos, fechando a casa e os cômodos dela. Tudo isso nunca foi serviço de homem sozinho ou de dois e três. Sempre era feito em pitirão, com muita gente do lugar no ajutório. Depois o dono passava a ocupar; aquilo virava o seu lar, onde namorava para cumprir o mandamento divino de crescer e multiplicar. Era mais um lugar para se cantar Reis, Folia e fazer bate-pé. Quase sempre a sua sala, com bancos encostados nas paredes, serviam para prosas e rezas. Quando alguém da casa falecia, era na sala que se velava e conversava a respeito de tantas coisas, ainda mais das engraçadas vividas com o defunto. Não havia quem não rezasse e quem não desse risadas debaixo daquele teto. Flores, velas, café, pinga e o de comer eram sagrados naquelas horas de despedidas”.

             Ah! Detalhe: o tio Antônio foi padrinho do tio Neco, o sétimo filho. Segundo a crença, para que este não virasse lobisomem era preciso cumprir o ritual. Se fosse sete mulheres na sequência, também a primeira delas batizaria a sétima, evitando uma nova bruxa no pedaço, no nosso chão caiçara.

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