terça-feira, 25 de agosto de 2020

TEMPO DE CULTIVAR COM ALEGRIA









Mestres caiçaras na Barra Seca (ArquivoJRS)


Roda de alegria (Arquivo JRS)



Mestre Neco (Arquivo JRS)


           Certa vez, apreciando o Mestre Neco, numa conversa no Museu Caiçara, pensei sobre o tempo, o espaço e o nosso lugar. “Eu também trabalhei em bananais aqui. No Morro da Pipoca, no pé-da-serra, por um bom período, a japonês Kikuti teve essa ideia de cultivar bananas. Era eu e mais cinco ou seis camaradas naquele fundão de mato. Parece até que foi ontem”. Pensei sobre o tempo e rapidez de tudo olhando as peças dali, de outros tempos. A construção de pau-a-pique, de outros tempos. O piso de tijolo feito por mim em outro tempo também está lá, assim como fogão e o forno de fazer farinha. Tudo aprendido da geração anterior.

O Neco e sua sabedoria de uma geração anterior à minha, que precisou também deixar o nosso lugar e ir trabalhar embarcado, na pescaria profissional. Neco que aprendeu a arte de fazer canoas, remos... de dar conta de roçado. Neco que tanto valoriza o ser festivo, cantador e tocador que o tempo de hoje parece querer sufocar. Neco que desnuda as engrenagens que mastigam o nosso lugar e o nosso ser pouco a pouco. Ele e tantas outras pessoas, essa caiçarada da mesma raiz que eu, a dizer que “os tempos são outros”. Neco que revela nas suas atividades, nas presenças em nossos eventos, que é preciso resistir às forças contrárias ao nosso ser caiçara. Neco, Jorge, Tia Baía, Dona Mocinha, Tio Dico, Altino e tanta gente mais são nossos faróis na cerração que deseja reduzir toda a nossa riqueza ao tempo mecânico, onde apenas o lucro de pouquíssimos importa. Ideologia cruel,  que destrói gente e natureza sem se importar com nada.  Acorda, caiçarada!

Olhando as ferramentas do nosso significativo museu, me recordo do ritmo do trabalho de outros tempos, marcado pelas forças da natureza, pelo calendário das festas, pelos pitirões, pelas chegadas dos cardumes... A nossa vida era ajustada conforme os ponteiros do Sol, da Lua, dos passarinhos se aninhando, dos animais em seus ciclos, das revoadas das içás, das correrias de gambás gordas e de tantas outras referências.  Bem citou o estudioso Peter, da praia da Enseada: “Os tempos sociais e da natureza interagem na construção do espaço geográfico, deixando para nós a difícil tarefa de interpretá-los”. Isso mesmo!

É preciso refletir prestando atenção a cada cantoria do nosso povo. Reparando bem. Nas letras estão partes importantes da nossa vida social (desde as relações com a natureza até os valores que reforçam a cultura caiçara). A grande lição deste conjunto (músicos, compositores, dançadores, fazedores de instrumentos etc.) é: um caminho prazeroso é um bom caminho a ser seguido, capaz de sustentar a nossa identidade surgida ao longo dos séculos. Ela (cantoria) é dinâmica e dá vida! Ela é ferramenta capaz de relegar outras a serem apenas peças de museu! A alegria é uma força incrível, que merece ser cultivada cada vez mais!
               

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