quinta-feira, 6 de agosto de 2020

POESIA NA PRAIA DA VILA

Traquete na Guaivira (Arte na telha - Arquivo JRS)

                      Quando criança, era comum escutar os mais velhos se referirem à cidade, ou melhor, à praia da cidade, como Praia da Vila. Depois eu aprendi que era Praia do Cruzeiro ou Yperoig. A Praia Grande, hoje a mais frequentada pelos turistas, era a Praia Grande da Vila, distinguindo assim da Praia Grande do Bonete.  Hoje me recordei disso, relendo Terra tamoia, da saudosa caiçara Idalina Graça. Então resolvi retransmitir um pouco mais dessa nossa gente de outros tempos.
                   
                  O dia amanheceu lindo. Alegremente arrumei um farto lanche e resolvi passar o dia fora. No portão, encontrei-me com um amigo que me perguntou rindo: "Vai viajar, Idalina?"
                     - Sim, ao país do sonho...
                     Ele parou, perguntando: "Você não quer me levar?"
           Sorri:   - Você nem saberia como desembarcar lá, materialista como é!
               Com um adeus amigável, separamo-nos. Ele para o trabalho, eu, para sonhar. Enfim, eis a praia branca e dourada por um sol de maio, que estende seus fúlgidos raios na relva verde e macia; o mar chorou melancólico sua eterna queixa, de encontro às rochas milenárias.
               Velas brancas [traquetes] tremulam sobre a superfície das águas; parecem bandos de gaivotas à procura de pouso seguro. Sobre minha cabeça, de um azul límpido e maravilhoso, o céu de Iperoig é um estandarte real. Em breve me encontro à porta da casinha, onde um pescador da Praia da Vila, como os antigos chamavam a nossa Iperoig, está sentado ao sol, consertando algumas redes. Ele canta em surdina uma terna canção.
               - "Aposto" digo sentando ao seu lado, que você não tinha esta no seu repertório caiçara.
                -  Ele riu com gosto, ao dizer me:   - Eu queria saber como a senhora adivinhou.
                  Correspondi sorrindo:   - Precisava que o conhecesse como o conheço.
                    Respeitoso, afastou-se e, fazendo um gesto amigável, respondeu:  - Sente-se aqui, e preste atenção à letra desta canção. Eu não sei porque, mas estava triste ontem. Então escrevi-a. Como a esquecer minha presença, cantou com sentimento, "O meu segredo":

                 Nas horas de desalento
                 que nem sei explicar,
                 Entendiado da vida,
                 procuro então disfarçar.
                 Sozinho no meu barquinho,
                 deslizo por sobre o mar.

                 Então, eu conto às vagas
                 as mágoas do coração.
                 Desabafo minhas queixas
                 Em uma terna canção.
                 Chego a trocar meu barco
                 pelo som de um violão.

                 Ligeiro salto na praia
                 e esqueço o meu tormento,
                 Vendo o mar de Iperoig
                 Desafiando o vento.
                 Eu canto melhor que ele,
                 em seu eterno lamento.

                 E a Lua, invejosa
                 desta louca serenata,
                 vem chegando de mansinho
                 em sua alvura de prata...
                 ...E o pobre pescador
                 sente uma angústia que mata.


           Como é bom ler! Melhor ainda é escrever os nossos sentimentos, as nossas visões dia após dia. No futuro alguém vai prestar atenção, recordar e aprender a partir daquilo que deixarmos registrados.


Nenhum comentário:

Postar um comentário