Caçuroba na Cocanha (Arquivo JRS) |
Conversa de caçador é fácil de
entender. Caçar é um instinto presente em nós, seres humanos. A minha Gal
explica: “Está gravado em nós, faz parte
do nosso inconsciente o nosso ser caçador. Por muito tempo tivemos necessidade de caçar
para chegar ao que somos hoje. Por isso desenvolvemos e registramos em nosso
ser esse aspecto, essas características. Exemplo: um grande grupo na cidade,
uma multidão está passando na minha frente, cada qual dali com seu jeito único.
Porém, no meio de tanta gente eu noto quem está mancando ou tem uma
deficiência. Por quê? Porque eu tenho este registro de caçador, vejo onde está
a presa mais fragilizada, possível de ser capturada por não poder correr como
as demais. De onde vez esse sentido agudo? Do tempo distante, quando andávamos correndo
atrás de alimentos. Não é assim que os animais caçam até hoje, buscando os
filhotes, os animais mais velhos do bando, os distraídos?”.
O povo caiçara também dependia
da caça para completar a sua alimentação. Lembro-me bem dos caçadores mais
próximos de mim: tio Tonico, Chico Lopes, João do Quito, Oscar e Alcides Nunes, Juventino, Dito
Neves e outros que, após um dia de serviço, ainda tinham disposição para espiar
bichos no mato até madrugada, esperando trazer um deles abatido, para variar a mistura.
O finado Dito Graça, mais caçador do que roceiro e pescador, se justificava: “Eu caço porque fico desesperado, com vontade de comer
carne vermelha; me dá mais sustância”. Nos dias de hoje ainda tem gente elaborando estratégias para caçar pelas nossas matas, apesar das
leis ambientais e das punições. Eu quero crer que os agentes pagos por nós estejam
sempre atentos!
Comecei este texto depois de
escutar uma prosa, em frente a um portão, bem no centro da cidade. Um senhor,
caiçara conhecido, dizia para o outro: “A praia tá cheia de caçurobas [pomba
rola]. Nesta hora (por volta das 17
horas), se você quiser, pode ir lá comprovar. Estão comendo alguma coisa pela
areia, ciscando no chão. Sabe aonde vão dormir? Naquelas árvores, no Morro da
Prainha! Pode ir lá de tardezinha para ver elas chegando, se empoleirando para passarem a noite ali. Se eu fosse mais moço, iria lá para caçar algumas e variar o de
comer”. Foi então que eu ri sozinho por ter escutado a palavra caçuroba. É
que na minha infância, uma senhora da vizinhança tinha esse apelido: era a Dona Maria
Caçuroba. E não é que a mulher se parecia mesmo, tinha os trejeitos que lembrava
a tal ave? A estatura, o jeito de andar dela lembrava caçuroba, esta espécie de
pomba do mato tão singela. A Dona Maria xingava muito quando alguém a chamava assim. Ainda bem que, graças ao meu pai e à
minha mãe, nós fomos educados para respeitar as pessoas. Dias desses, ao entardecer, irei à
praia do Cruzeiro (Yperoig) para comprovar a informação. Será que as caçurobas estão virando pombas da cidade também?
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