sexta-feira, 28 de agosto de 2020

A DONA CAÇUROBA

Caçuroba na Cocanha (Arquivo JRS)


                Conversa de caçador é fácil de entender. Caçar é um instinto presente em nós, seres humanos. A minha Gal explica: “Está gravado em nós, faz parte do nosso inconsciente o nosso ser caçador. Por muito tempo tivemos necessidade de caçar para chegar ao que somos hoje. Por isso desenvolvemos e registramos em nosso ser esse aspecto, essas características. Exemplo: um grande grupo na cidade, uma multidão está passando na minha frente, cada qual dali com seu jeito único. Porém, no meio de tanta gente eu noto quem está mancando ou tem uma deficiência. Por quê? Porque eu tenho este registro de caçador, vejo onde está a presa mais fragilizada, possível de ser capturada por não poder correr como as demais. De onde vez esse sentido agudo? Do tempo distante, quando andávamos correndo atrás de alimentos. Não é assim que os animais caçam até hoje, buscando os filhotes, os animais mais velhos do bando, os distraídos?”.

                O povo caiçara também dependia da caça para completar a sua alimentação. Lembro-me bem dos caçadores mais próximos de mim: tio Tonico, Chico Lopes, João do Quito, Oscar e Alcides Nunes, Juventino, Dito Neves e outros que, após um dia de serviço, ainda tinham disposição para espiar bichos no mato até madrugada, esperando trazer um deles abatido, para variar a mistura. O finado Dito Graça, mais caçador do que roceiro e pescador, se justificava: “Eu caço porque fico desesperado, com vontade de comer carne vermelha; me dá mais sustância”.  Nos dias de hoje ainda tem gente elaborando estratégias para caçar pelas nossas matas, apesar das leis ambientais e das punições. Eu quero crer que os agentes pagos por nós estejam sempre atentos!

                Comecei este texto depois de escutar uma prosa, em frente a um portão, bem no centro da cidade. Um senhor, caiçara conhecido,  dizia para o outro: “A praia tá cheia de caçurobas [pomba rola]. Nesta hora (por volta das 17 horas), se você quiser, pode ir lá comprovar. Estão comendo alguma coisa pela areia, ciscando no chão. Sabe aonde vão dormir? Naquelas árvores, no Morro da Prainha! Pode ir lá de tardezinha para ver elas chegando, se empoleirando para passarem a noite ali. Se eu fosse mais moço, iria lá para caçar algumas e variar o de comer”. Foi então que eu ri sozinho por ter escutado a palavra caçuroba. É que na minha infância, uma senhora da vizinhança tinha esse apelido: era a Dona Maria Caçuroba. E não é que a mulher se parecia mesmo, tinha os trejeitos que lembrava a tal ave? A estatura, o jeito de andar dela lembrava caçuroba, esta espécie de pomba do mato tão singela. A Dona Maria xingava muito quando alguém a chamava assim. Ainda bem que, graças ao meu pai e à minha mãe, nós fomos educados para respeitar as pessoas. Dias desses, ao entardecer, irei à praia do Cruzeiro (Yperoig) para comprovar a informação. Será que as caçurobas estão virando pombas da cidade também?

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