Dona Aládia e uma neta (Arquivo JRS) |
Dona Laurentina, caiçara da
praia da Fortaleza, nos criou conforme foi criada. Ao chegar o mês de agosto,
ele constantemente nos alertava para evitar os cachorros, sobretudo quando
estivessem em ajuntamento, no cio. “Eles ficam com raiva, mordem e podem estar
loucos. Passem longe da cachorrada”. A gente, de tanto escutar, ficava atento,
sempre cismado com os cães do lugar, mas nunca soubemos de alguém, nas proximidades,
que houvesse passado pela situação alarmada nessa época. Naquele tempo não
tinha vacinação aos bichos. As poucas disponíveis ao longo do ano eram para as
crianças.
Mamãe dizia que eram os morcegos
que deixavam os cachorros loucos, que transmitiam a doença. Onde morávamos, era
comum os ataques de morcegos. Eles chupavam o sangue da criação (galinha, pato,
porco...), mas também chupavam sangue humano. As casas não eram forradas; eles
sempre descobriam brechas para adentrar na madrugada e atacar. Geralmente era
no dedão do pé o ponto de sugamento do nosso precioso sangue. Ninguém sentia,
pois eles têm uma espécie de anestésico local. Somente no dia seguinte, vendo o
sangue seco, a pessoa sabia que tinha sido vítima de morcego. Papai, uma das vítima deles, nos contou como foi. Na nossa casa
nunca apareceu desses morcegos. Acho que eles se contentavam com os bichos que
criávamos. Dava dó ver o galo com crista ensanguentada. De vez em quando alguém
tinha um bicho de estimação morto de tanto ser sugado. Apenas os morcegos que gostavam de
frutas se esbaldavam na nossa moradia. O motivo? Era porque havia um canto
reservado para os cachos de banana que iam amadurecendo para o nosso uso diário. Eles não
eram nossa preocupação porque só iam nas frutas. Dormíamos sem que seus voos, chiados
e silvos nos atrapalhassem.
Muito tempo depois da minha
infância, em mês assim, de agosto, me acomodei num banquinho na calçada, com a
dona Aládia, do seo Nhô, na Estufa. A mãe dela, gente dos Amorim, era prima da
vovó Martinha. Na prosa veio o mesmo cuidado da mamãe: “Você que é muito andejo, vai por aí tudo, não se descuide porque
estamos no mês de cachorro louco”. Quando eu falei que não me
preocupava mais com isso pelo motivo de nunca ver um caso sequer de alguém
atacado pela loucura dos cachorros, ela deu esta informação: “Ah é?!? Peça para a vossa avó contar do tio Jango, do Ingá. Ele
morreu no mato, depois de matar o próprio cachorro. Sentiu que a loucura também
atacava ele, mas não queria arriscar a vida da família, causar sofrimento. Preferiu ir longe. Foi
achado numa grota, com a boca cheia de espuma, já fedendo. Coitado dele”.
Até hoje, tio Jango foi o único caso (que fiquei sabendo) de loucura transmitida por cachorro. Então, na tradição da saudosa mamãe, da dona Aládia e de tantas outras, recomendo: cuidado com o mês de cachorro louco!
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