sábado, 22 de agosto de 2020

NÃO É CUSPARADA!

Galhada de rena (Arquivo JRS)


                Eu sempre tive facilidade para guardar nomes, sobretudo de pessoas marcantes. O primeiro Parada encontrei na praia das Sete Fontes, em Ubatuba. Era sobrinho do Velho Jaime; casou-se com a estimada Zilda Peralta, a prima. Até o final da vida todos se referiam a ele como simplesmente Parada do Peralta. Como todos daquele lugar naquele tempo (décadas de 1970/1980), Parada era pescador que parecia suportar todas as adversidades, sempre estava disposto no enfrentamento do mar, ao costurar suas redes e a contar passagens da sua vida. Em dias assim, quando a natureza parece se converter em água e um frio causa preguiça de sair de casa, me recordo daqueles pescadores encharcados, mas nunca deixando de visitar suas redes e mostrando seus pescados frescos como recompensa de cada dia. Mesmo molhados, com frio, eles mostravam corpos curtidos pelo sol. Seus olhares, assim que surgia a aurora, passeavam primeiramente pelo mar, pelas condições que pareciam difíceis ou mais fáceis. Boas lembranças do Parada e de toda a parentalha da Sete Fontes!

                O segundo Parada era um turista que fiz amizade na praia da Lagoinha. Ele passava uma temporada numa casa em estilo modernista, localizada na boca-da-barra, onde até hoje as marés certamente lambem o gramado. Era Guss Parada, um artista nascido na Dinamarca, cujo pai foi um migrante lusitano. Me aproximei dele atraído por uma escultura que estava sendo trabalhada na varanda do imóvel. Como sou intrometido, logo estava junto dele. Parecia ser gente boa. Conversamos algumas vezes porque ele também era bom de prosa. Enquanto permaneceu em terra caiçara, o seu entretenimento era  criar obras de artes a partir de coisas encalhadas, trazidas pelo mar. Ou seja, a sua inspiração estava ali e pelas redondezas. Logo o seu entorno tinha troncos, raízes, conchas... Não demorou nada para alguns caiçaras também contribuírem com o Guss. “Trouxe para o senhor porque achei diferente, bonito. Sei que o senhor vai olhar e ver outra coisa, transformar para ficar mais bonito ainda”. Certamente que, pelo mundo afora, esculturas nascidas ali, no canto da Lagoinha, estão por salões de artes, em casas chiques. Eu tenho como lembrança dele uma pequena peça. Ele mesmo deu o nome: “Galhada de rena”. E não é que parece mesmo!?!
               
                 Quando eu disse ao amigo João Tãozinho que tinha conhecido o Guss Parada, ele reagiu: "Cusparada? Você acha que tem neste mundo gente com nome de cusparada?" Corrigi na hora riscando bem forte no chão G-U-S-S  Parada. "Ah! Então não é cusparada!""

                A esta altura da vida, eu que já tenho a barba toda branca, sei que os dois já se foram. Nem o mar e nem os tocos encalhados na praia lhes interessam agora. Parada Peralta e Guss Parada poderiam ser parentes, pois suas raízes eram lusitanas. Para mim ficaram as memórias de suas labutas, de seus talentos. Creio que suas obras seguem resistindo ao tempo. A pequena galhada está na parede a me recordar. Salve, Parada! Salve, Guss Parada!


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